Todo gol de goleiro é espetacular. Jogadores que dedicaram suas vidas a proteger a equipe das investidas adversárias quando saem em busca de contribuir, deixam o próprio time visceralmente exposto a um contra-ataque que pode ser mortal.
Por isso, quando um goleiro sai no meio da partida para o outro lado do campo a fim de bater uma cobrança de falta, a cena em si é espetacular. Rogério Ceni foi o que mais percorreu esse caminho, defendendo a camisa do São Paulo. E sempre que a falta era perto da pequena área, a torcida pedia por ele. O narrador avisava que era falta para Rogério cobrar, e ele ia, levantando os torcedores no Morumbi. Como nem sempre a corrida de volta acontecia em comemoração ao gol, o desespero dele para chegar a tempo e dos companheiros para dar suporte era angustiante e bonito de se ver.
Porém, muito mais bonito do que ver goleiro batendo falta é quando o defensor abandona sua própria meta nos minutos finais da partida para tentar ajudar o time em uma cobrança de escanteio.
O risco é maior com a trajetória sendo mais longa até o retorno ao próprio gol. Mas qual torcedor não se emociona ao ver que nos minutos finais, após o insucesso da pressão no ataque, até o goleiro também subiu para cabecear? Alguém em sã consciência diria “não vá, nos contentamos com a eliminação”?. Jamais. E também por isso o futebol é tão incrível. Na história escrita e reescrita, que costuma se repetir, goleiros sobem para o ataque e viram do avesso o coração dos torcedores.
É raro que consigam sucesso, pois o cabeceio não é um fundamento amplamente dominado por quem atua nesta posição. Que um homem a mais na pequena área faz diferença, não resta dúvida. Atrapalha a marcação. Se chama o marcador adversário para si, um outro companheiro vai sobrar. E considerando que na maioria das vezes são jogadores com estatura acima da média do restante do time, a certeza do perigo se transforma em responsabilidade para o adversário.
O gol marcado pelo brasileiro Alisson, goleiro do Liverpool, no domingo (16), em partida válida pela 36ª rodada da Premier League, a liga inglesa, foi de todos o mais espetacular gol de goleiro que já vi.
A dura partida como visitante contra o já rebaixado West Bromwich Albion foi emocionante até os últimos instantes. O Liverpool não disputa mais o título, mas precisava da vitória para somar pontos que poderiam garantir vantagem sobre o Leicester para assegurar uma vaga na Champions League.
Aos 49 minutos do segundo tempo, empatados em 1 a 1, Alisson encarou o jogo como uma final de campeonato e subiu para cabecear naquela que poderia ser a última oportunidade de garantir os três pontos da vitória em cobrança de escanteio.
Seria mais um resultado de um roteiro previsível. É comum acontecer essa entrega no final da partida, e ainda assim, é sempre emocionante. Mesmo quando: dá tudo errado; o goleiro atrapalha a marcação e um zagueirão marca; o próprio goleiro, mesmo desacostumado ao feito, pula atabalhoado e manda a bola pra dentro de todo jeito.
Alisson foi muito mais do que o previsto. Esperou a cobrança com a frieza de um atacante e finalizou com a precisão de quem domina a técnica como poucos. Do primeiro para o segundo pau, de olhos abertos, consciente do giro perfeito que faria para deslocar o colega adversário e mirar a bola no ângulo oposto. Colocou onde queria, como quem arremessa com as mãos, num lance que será sempre lembrado como, no mínimo, fantástico.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 21 de maio de 2021.