A praça é “da Coruja”, mas bem que poderia se chamar “Praça do Gaúcho”, pois é ele quem cuida, planta, poda e zela a praça que é de todos os moradores, crianças, corujas, gatos e quero-queros daquele bucólico loteamento na praia de Intermares, em Cabedelo. É dito a quem vem de fora que a praça é mantida por um grupo de moradores, o que não passa de um pacto coletivo de modéstia para que toda a responsabilidade não seja depositada sobre um único morador. Mas todos ali sabem que, além dele, são coadjuvantes. Quem cuida mesmo é o bendito Gaúcho.
E quando digo cuidado com a praça não é um zelo qualquer. O Gaúcho arruma o parquinho para as crianças; monta casa para os gatos que nascem na praça e cuida do abrigo para que as mamães possam aninhar seus filhotes; arruma a casa da coruja; instala pneus, preza pela arena de vôlei; planta árvores, nativas ou não; e ainda alimenta os saguis, que todas as manhãs visitam o local.
Além do cuidado com o patrimônio dos moradores, o Gaúcho é inquieto, vive procurando implementar melhorias naquele improvisado equipamento público. Certa vez encontrou um ventilador posto na calçada de um prédio de frente à praça, à espera do caminhão do lixo passar e recolher. Não se conteve, desmontou o ventilador, tirou a hélice, pintou e instalou no topo do parquinho das crianças. Agora, sempre que venta um pouco mais forte o novo brinquedo decorativo gira, gira, gira num espalhar de alegria e cores.
E como bom gaúcho que é, tem time de coração, claro. Grêmio, no caso dele. Paixão quase sempre latente, pois evita vestir a camisa do time o tempo todo. Talvez por considerar que é sagrada a ponto de não poder ser banalizada. Escudo na roupa só em ocasiões especiais, percebe-se. No entanto, mesmo que não vista o uniforme usado pelos jogadores, jamais se avistou por aquelas bandas o Gaúcho com roupas que não fossem das cores do seu time. Azul, branco e preto, com possíveis combinações entre elas, até ausência de uma ou outra, mas sempre entre as três. Ele jura de pés juntos que vai nas lojas comprar roupas e só encontra essas três cores à venda.
O Gaúcho vibra quando o Grêmio vence, mas vibra muito mais quando é contra o Internacional. Festeja, tira sarro, conta os anos de jejum dos títulos nacionais do rival feito quem conta piada. Da mesma forma, sofre. Lamenta as derrotas, ainda mais quando escapam por entre os dedos. E sofre também com a perda vindoura, como quando o Grêmio vendeu o passe de Everton Cebolinha, ou quando o casamento com o técnico Renato Portaluppi já não dava mais certo.
A partida de ida da decisão do Gauchão seria transmitida em rede de TV aberta, para todo o Brasil. Esta primeira parte do confronto entre os dois maiores clubes do Rio Grande do Sul aconteceria na casa do Inter, o estádio Beira-Rio. Não à toa o clássico Grenal é considerado por muitos especialistas como o segundo maior do país, perdendo apenas para o Clássico dos Maiorais, na Paraíba, do confronto entre Campinense e Treze.
Grenal mexe com o juízo da torcida, vira a capital Porto Alegre do avesso. Em época natalina, nem o Papai Noel do Grêmio veste vermelho, quiçá o Gaúcho da Praia de Intermares. Na hora do jogo, não se esperava avistá-lo em lugar nenhum do mundo a não ser na frente da TV, torcendo, vibrando, roendo e se doendo. Mas, não. De tão nervoso - ou de tão pouca fé -, justamente na hora da partida ele estava lá, na praça, cuidando das árvores, porém, certamente, com o coração dentro do campo.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 20 de agosto de 2021.