Além da pandemia causada pelo novo coronavírus, uma doença ainda pouco conhecida, sem vacina ou remédio com eficácia comprovada e que tem imposto drásticas mudanças no cotidiano por todo o mundo, um velho mal ressurge como uma chaga que pensávamos estar curada, e se abre novamente para causar dor e sofrimento. Desde a morte de George Floyd, em 25 de maio, em Minneapolis, nos Estados Unidos, brutalmente assassinado por um policial local, no que se configurou claramente como ódio de raça, a discussão pelo enfrentamento ao racismo vem ganhando espaços em diversos setores, por todos os continentes.
Diante da violência, da opressão estrutural na sociedade, e de tudo o que o povo negro já sofreu ao longo da história e ainda sofre, não ser racista é pouco. É preciso ser antirracista.
No esporte não foi diferente. No futebol, diversos jogadores assumiram o discurso antirracista. Éverton Ribeiro, do Flamengo, e Gabriel Jesus, do Manchester City, foram dois dos brasileiros que se posicionaram contra o racismo no futebol.
Deveria ser uma pauta única. Uma luta de todos e por todos, por uma sociedade melhor. Mas, não. Há quem se cale diante do racismo, quem faça vista grossa. Há quem não dê a mínima. É triste, mas faz parte do direito de cada um à individualidade, mesmo que isso alcance o egoísmo.
Estranho mesmo é quando alguém ligado ao esporte assume publicamente uma postura racista. Seria abissal, totalmente deplorável em qualquer tempo. Mas o fundador da Crossfit, marca registrada ligada ao esporte de alto rendimento que virou febre em academias por todo o mundo e se transformou em um grande negócio, achou pouco a pandemia e a onda antirracista que vem promovendo um levante social. Greg Glassman foi racista e viu seu império derreter.
Na semana passada, o fundador e presidente da marca fez um um trocadilho trágico em referência ao homem negro morto pela polícia, associando o nome da vítima à covid-19. O comentário com teor racista foi feito em seu perfil no Twitter, em resposta a uma publicação do Instituto Health Metrics and Evaluation (IHME) que citava como problema de saúde pública o racismo da polícia dos Estados Unidos. “É Floyd-19”, respondeu Glassman.
Logo depois, uma enxurrada de críticas de todas as partes do mundo atingiu em cheio a imagem da empresa. As grandes marcas associadas à Crossfit por conta das competições que reúnem atletas de diversos países anunciaram o fim das parcerias. A mais emblemática foi a Reebok, que publicou nota sobre o fim do contrato: "A parceria com a Crossfit se encerra no final deste ano. Discutimos recentemente sobre a renovação do contrato, mas diante dos acontecimentos decidimos finalizar a parceria".
Além dos grandes parceiros, a Crossfit também viu seu negócio se dizimar em poucos dias com o descredenciamento de diversas academias, ou “boxes”, como são chamados os espaços. Já havia entre os proprietários afiliados um descontentamento geral referente aos altos preços cobrados pelo uso dos direitos da marca e do fraco suporte recebido. Em tempos de comunicação globalizada, Glassman foi, além de criminoso, burro, e viu de perto a proporção que uma declaração isolada pode tomar. Apesar de entregar o cargo de presidente da empresa, o dano causado à marca é irreparável.
As academias continuarão a vender o “crossfit” após a pandemia, mesmo sem chamar de “crossfit”.
Aos racistas, a exclusão social e o prejuízo financeiro são o mínimo.
*publicado originalmente na edição digital de 12 de junho de 2020.