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ESPORTES: Técnico ou professor?

publicado: 19/02/2021 08h04, última modificação: 19/02/2021 08h04


A contratação do argentino Hernán Crespo para o cargo de técnico do São Paulo reacendeu o debate sobre a influência do sucesso na carreira como jogador de futebol diante dos comandados. Apesar de os atletas muitas vezes chamarem o treinador de “professor”, ele está lá mais para dar comandos táticos do que para, efetivamente, ensinar a jogar bola. Na prática, muitos acabam ensinando, e jogadores têm nos técnicos referência de grande aprendizado. 

Com a chegada do ex-craque e agora técnico, a pauta na imprensa esportiva foi tomada por lances da carreira de Crespo pelos clubes e pela seleção argentina. Se além de treinador Crespo também for um pouco professor, está resolvido o problema no ataque do São Paulo. Vai ter jeito até para Pablo, atacante contratado como promessa e que nunca desencantou. 

Apesar da bagagem que carrega um ex-jogador de sucesso quando inicia sua carreira como técnico, não é pré-requisito para ser bom comandante à frente de um time ter sido excelente enquanto jogador. No entanto, a marra de quem jogou muita bola fica impregnada à beira do gramado, e vale também no confronto entre técnicos, quando seus times se enfrentam. 

Lembro de um bate-boca por meio de entrevistas à imprensa entre Tite e Felipão, quando ambos comandavam times da Série A do Campeonato Brasileiro. A disputa, em tom amistoso, era para ver quem tinha jogado mais bola. Recado ia, recado vinha, não passavam de dois perebas. Daquele nível, no meu time, eu quero é distância.

Certa vez perguntaram a Muricy Ramalho, na sua última passagem como técnico pelo São Paulo, se ele teria vaga naquele time como jogador. Com a humildade que lhe é característica, Muricy disse que pegaria a camisa 8, e que no time seriam ele e mais dez. Bem verdade, jogou muito mesmo. 

Há também os exemplos de quem jogou demais e, quando resolveu se aventurar como técnico, foi um fiasco, caso de Falcão, ex-ídolo do Internacional e da Seleção Brasileira. Teve espaço no próprio Inter para comandar o time, mas o casamento não deu certo. 

Na atual edição do Brasileirão, Renato Gaúcho e Rogério Ceni são dois que fizeram história como jogadores e alcançaram respeito como treinadores. Além do sucesso nas duas carreiras, ambos têm a marra em comum. O Flamengo do ex-goleiro do São Paulo e da Seleção é vice-líder do campeonato. E se o Grêmio não vai tão bem na disputa por pontos corridos, é finalista da Copa do Brasil. 

Rogério Ceni nunca foi humilde, nem mesmo quando era goleiro. Foi um dos maiores de todos os tempos do Brasil, o maior jogador da história do São Paulo e dono da marca de maior goleador da história do futebol entre jogadores da mesma posição. O M1to, como era chamado, já fez mais gols que muito atacante. Ao todo são 131. Hoje, ensina jogadores a bater na bola. Para alguns tem sido motivo de queixa.

Mas se o assunto é marra, ninguém bate Renato Gaúcho. Jogou muito, indiscutivelmente. Diz ele que foi melhor até que Messi e Cristiano Ronaldo. Daí já fica difícil aceitar, mas ao se tratar de atletas que não são contemporâneos, prevalece o imponderável. O argentino e o português podem até ter muitos prêmios de melhor jogador do mundo, mas gol de barriga, só Renato Gaúcho tem. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de fevereiro de 2021.