Os Jogos Olímpicos de Inverno são um excelente exemplo para lembrar que o torcedor brasileiro ama torcer acima de qualquer coisa. Mais que por seu time de coração, por um atleta específico. Nos esportes, a torcida é fundamental para manter viva a disputa, disseminar a paixão pelas modalidades e manter viva também a chama de quem torce.
Tomo como exemplo os Jogos de Inverno porque a maior parte dos esportes presentes no evento não fazem parte do cotidiano do brasileiro. É diferente de qualquer vivência. Nossos filhos crescem alternando entre amores por bolas de futebol, vôlei, basquete, jogando e rolando de todo jeito e nos fazendo interpretar o brincar infantil como movimentos referentes aos esportes.
“Um craque!”, diz o pai ao justificar que o chute do seu filho nada foi desajeitado, tratava-se na verdade de uma trivela, os outros é que não entendem de bola. As crianças de repente crescem, aprendem a nadar, depois experimentam lutas, levantamento de peso, voltam às bolas. E mesmo que não se tornem atletas, toda prática desportiva permeia o imaginário de pais e filhos com vívidas referências aos esportes olímpicos.
Nos Jogos de Inverno, não. Quase nada daquilo ali faz parte de quem vive no Nordeste brasileiro, por exemplo, salvo as exceções de quem pode viajar para países frios e viver experiências turísticas nesses esportes.
Porém, mesmo sob o calor de quem mora numa região com apenas uma estação definida e permanente, basta zapear os canais de TV em época de Jogos de Inverno para cair numa modalidade esportiva da qual pouco se entende como funcionam as regras e se pegar torcendo.
Uma pedra que desliza ao longo de uma pista de gelo é capaz de fazer o torcedor de sofá largar o controle remoto para vibrar junto com a equipe que esfrega o chão com seus rodos para ajustar o atrito e possibilitar o cálculo perfeito do deslize da pedra em sua trajetória ao alvo, seja para ficar parada em local específico ou para expulsar uma pedra adversária da zona de pontuação.
Como não existe inércia fora do vácuo, são as forças resultantes que farão a pedra chegar ao local perfeito, pensado pelos atletas. Para isso é preciso somar a força do empurrão, a força contrária da pista e, dizem, as forças sobrenaturais, dos deuses do esporte e dos torcedores espalhados pelo mundo, desarmados de seus controles da TV e já vidrados na tela. Os mais afoitos se dividem entre aqueles que repetem com os braços os movimentos dos varredores e os que criam aparas com as mãos à beira da TV para impedir que as pedras avancem além do que é preciso.
Na pandemia de covid-19, tudo o mais virou esporte. Desde as grandes competições que seguem acontecendo sob o vazio das arquibancadas até o pai do conhecido somente pelas redes sociais que venceu a doença após dias internado no hospital. Por este último vibramos mais do que pelo gol do artilheiro do nosso time.
Dia desses me peguei torcendo por carrinhos Hot Wheels sobrepostos em uma esteira de corrida, dessas de academia, numa competição caseira divulgada via WhatsApp. Enquanto assistia àquela brincadeira entre amigos dentro de casa, me peguei envolvido na rivalidade entre os carrinhos que disputavam para ver quem passava mais tempo sobre a esteira. Dependiam apenas de seus rolamentos, o resto era física pura e muita torcida. Mandei pra um amigo, desses que torce até por embate de bola de gude, e ele me retornou em pouco tempo contando que parou a feira para assistir ao vídeo e começou a torcer em pleno supermercado.
Hoje torço pelo futebol, por carrinhos, pela cura dos amigos e dos pais dos conhecidos. E vibro, como quem vibra em gol de final de Copa do Mundo, por cada conhecido vacinado.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de maio de 2021.