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ESPORTES: Um artista acima das cores

publicado: 08/12/2020 09h58, última modificação: 08/12/2020 09h58


Qual seria a dificuldade de um artista plástico se ele não pudesse enxergar todas as cores? Dizer que estaria incapacitado para lidar com o trabalho é limitar o universo dos gênios. Kleiton sofria de um mal que afetava sua visão, impedindo-o de ver corretamente as cores do mundo como são. Daltônico, porém gênio. E, diferentemente da maioria dos artistas que alcançaram o mesmo patamar que o seu, de boçal ele não tinha nada. Ao contrário, de tão humilde em sua genialidade, era tímido. Mal podia receber um elogio que ficava todo sem jeito. 

Kleiton driblava a dificuldade do cotidiano com gestos simples. Na escolha das suas roupas, por exemplo, preferia tons mais neutros, que coincidiam com seu time de coração, o Corinthians. Em branco e preto não tinha como errar. E como vez por outra ele vestia o manto do clube em suas variações, desde casacos, jaquetas, camisas de torcida organizada, até os padrões oficiais dos jogadores, terminava sendo sempre certeiro. 

Para pintar seus quadros, ele não se continha nos tons de cinza, apesar da limitação. Diante da dificuldade com as cores, o artista desenvolvera um método para conseguir retratar cenas e pessoas conforme os outros viam. Fazia substituições mentais, usava uma paleta adaptada, e a quem perguntasse algo sobre seus recursos, colocava na conta da técnica dizendo, humildemente, que aquele era seu jeito de trabalhar. 

O melhor de tudo era que o daltonismo de Kleiton era um segredo muito bem guardado. Ele temia sofrer preconceito na profissão. Onde já se viu um pintor daltônico? Pois bem, decerto tinha razão, pois diante do inusitado, o mundo encara primeiro com preconceito para, só depois, enxergar o traço do gênio. 

Certa vez, Kleiton resolveu tirar férias em Salvador. Levou esposa e filhos para descansar uma semana fora da Paraíba, vendo novas cores, imagens, com toda a riqueza visual que a capital baiana oferece. No Pelourinho, foi abordado por um menino daqueles que chegam com fitinhas de Nosso Senhor do Bonfim já amarrando no pulso do turista desavisado, ensinando sobre os pedidos a serem feitos para cada nó e, se a pessoa puder, ajuda com qualquer coisa.

Kleiton estava tão extasiado com o ambiente, a cena, a felicidade de curtir um pouco junto à família sem precisar pensar em trabalho que não se deu conta da cor da fita. 

Era verde!

A cor do Palmeiras, arquirrival do seu clube. A cor proibida para todo corintiano. 

O que diria quando chegasse na sede da Fiel em João Pessoa? Jogar fora os pedidos já feitos também não era possível, isso dá um azar tremendo. A solução para Kleiton, então, foi esconder a bendita fita. Passou a partir da viagem a Salvador a só trabalhar de blusão. Porque se o daltonismo era segredo, não havia justificativa para usar deliberadamente uma fita da cor verde. Para os mais íntimos, a angústia de Kleiton virou comédia. Para ele, o mais importante era afastar qualquer tipo de agouro, fosse de si, dos seus, ou do Timão. “Sai pra lá, zica!”, dizia, sorrindo encabulado, como só ele sabia.

Coluna dedicada ao querido Klécio, um artista das telas digitais e dos ambientes virtuais que passou por este mundo real como um sopro, sempre levando alegria e leveza com seu coração gigante. 


*coluna publicada originalmente na edição impressa de 04 de dezembro de 2020.