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ESPORTES: VAR pro inferno!

publicado: 26/02/2021 10h09, última modificação: 26/02/2021 10h09

tags: VAR , Futebol

 

Entre crianças que se divertem no meio da rua com as mais diversas brincadeiras tradicionais da infância, destaca-se fácil quem tem a chamada “vista boa”. Assim era Armandinho, menino que avistava qualquer amigo na disputa de esconde-esconde e disso tirava vantagem na corrida até o poste da ‘batida’. 

Quando saíam à caça com suas baleadeiras - como se denomina estilingue em alguns estados do Nordeste -, Armandinho era implacável. Se um calango tentava se camuflar em um tronco de árvore, virava presa fácil para o pequeno atirador. Não tinha muro chamuscado nem chão de paralelepípedo bom o suficiente para servir de refúgio aos bichinhos. E se Armandinho, por imperícia, errasse a mira, ao menos alertava seus amigos da posição do alvo, que fracassava miseravelmente na busca por se escamotear diante do menino. Os amigos de boa habilidade no tiro e percepção mais frágil colavam em Armandinho. 

Era víbora, calango, lagartixa, rã e ainda todo tipo de besouro. Nem sanhaçu, aquele passarinho bonitinho, os moleques perdoavam. Na época de caçar tanajuras para assar na panela de casa, Armandinho era praticamente convocado a fazer parte da equipe. 

De tão bom de vista, fosse para perto ou para longe, o menino quando cresceu investiu numa profissão em que pudesse aproveitar o seu dom da visão. Virou dentista. Em pouco tempo tornou-se um profissional de sucesso. 

Mas cuidar das bocas alheias se transformou em uma monotonia para o jovem Armando. Até que, por indicação de um amigo, ele fez um curso de árbitro de futebol. E logo no início de sua jornada de trabalho complementar seguiu o caminho inverso. Não queria ser juiz, decidiu que seria bandeirinha. 

Quer coisa mais emocionante do que detectar à beira do campo um lance de impedimento? Bom de vista como era, aquilo tornou-se um desafio pessoal. Armando gostava de acertar um lance polêmico, daqueles que invalidam um gol e mudam a história da partida. Gostava, acima de tudo, de ser justo. E se divertia ao conferir no tira-teima tecnológico da época que seus acertos provocavam pedidos de desculpas dos narradores esportivos. De tanto acertar, muitas vezes por pouco, ganhou o apelido de “Cabelo de Sapo”, pois essa foi a medida apontada por um famoso cronista para um dos acertos do auxiliar. “Acertou novamente, e dessa vez foi por um cabelinho de sapo!”. 

A carreira de Armando Cabelo de Sapo vinha numa crescente de glórias e alegrias até que chegaram as mais recentes mudanças nas regras de arbitragem, culminando com a implantação do VAR.

Agora, Armando apenas observa. Perdeu o gosto. Corre de um lado para o outro e só gasta sua energia com o balanço da bandeira se uma falta grave acontece perto dele. No mais, não diz nada. Diante da nova orientação de deixar o lance correr, somada à possibilidade de anulação da decisão de campo pelo VAR, Armando considera que sua função, além de ter perdido o brilho, perdeu também o sentido. Portanto, se nega a sacudir a bandeira como um figurante num espetáculo que será decidido pela tecnologia. Teve um gol mal anulado pelo VAR, que reverteu seu acerto em campo. Estava descalibrado. Ok, era um cabelinho de sapo, máquinas também erram. Mas para Armando, não dá mais. Mandou o VAR pro inferno!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 26 de fevereiro de 2021.
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