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ESPORTES: Vida longa!

publicado: 23/10/2020 10h04, última modificação: 23/10/2020 10h04

 

Três gerações de Edsons. Três guardiões do nome que, para o primeiro, ser xará do Rei foi pura sorte, enquanto para os outros dois herdeiros, homenagem. Apesar de carregar o mesmo nome, o avô Edson era mais conhecido como Seu Pereira. Fã incondicional do maior jogador de futebol de todos os tempos, era, sim, torcedor do Santos, mas por tabela, pois a torcida mesmo era por Pelé. Até ficava sem jeito quando alguém descobria que ele e o Rei tinham o mesmo nome. Mas a vergonha passou quando sua esposa engravidou, pois se fosse menino, se chamaria Edson. 

Lúcia completara 40 semanas de gestação em 15 de junho de 1969. O bebê poderia nascer a qualquer momento. Bem que poderia ter sido ali mesmo, naquele dia, e não três dias depois, como aconteceu, justo na manhã da “final antecipada” do Paulistão daquele ano, quando o Santos de Pelé enfrentaria o Palmeiras fora de casa.

Foi emoção demais para Seu Pereira, ou Vovô Edson, como ficou conhecido depois. Na manhã daquele dia, quando sua esposa começou a sentir as primeiras dores do parto, Vovô Edson infartou. Foram todos para o hospital, alegria e tragédia andando juntas. O bebê era menino, chamaram Edson Filho, enquanto o avô teve complicações, um acidente vascular cerebral. Depois, coma. E nunca mais acordou. 

Vovô Edson não colocou seu filho nos braços. Também não viu Pelé abrir o placar na vitória por 3 a 0 dentro do Palestra Itália e encaminhar o título do Santos naquele quadrangular final. Tampouco viu o título mundial de 1970 da Seleção Brasileira. O patriarca dorme desde então. Certamente teria sido feliz ao ver a consolidação da carreira do Rei do Futebol, assim como ficaria exultante com o nascimento do seu neto, a quem, muito provavelmente, daria o pitaco para que também se chamasse Edson. O filho parece ter ouvido um sussurro, e chamou o mais novo de Edson Neto.

A presença de Vovô Edson na casa era constante. Mesmo que deitado em uma cama, sem interagir diretamente com as outras pessoas que moravam junto a ele, estava lá. Era como se observasse tudo, fizesse parte de cada refeição, assistisse aos jogos do Santos junto da família. Vez por outra respirava fundo, num prenúncio de que poderia a qualquer momento acordar, mas não passava disso. 

Foi somente com a pergunta de Neto ao pai que aquele ano de 2020 começou a tomar uma nova forma. Aos onze anos de idade, o mais jovem dos Edsons não sabia o porquê da origem do seu nome. O menino que sempre foi fã de futebol, por influência do pai, era, no entanto, mais adepto das partidas de videogame. Seus ídolos, claro, Cristiano Ronaldo e Messi. No Brasil, é fã de Gabigol, e toda vez que vibra por um gol do brasileiro, ouve do pai a ladainha de que o atacante só joga muito no Flamengo porque foi nascido e criado na Vila Belmiro. 

Foi a partir da pergunta que Edson Neto ouviu falar tão enfaticamente de Pelé. Já conhecia o maior de todos por conta do FIFA, seu jogo de videogame preferido. Mas não tinha noção do tamanho do Rei. Messi, Maradona, Neymar, ou quaisquer dos Ronaldos, nenhum jogou tanto quanto Pelé. 

Sozinho com o avô, Neto teve a ideia de procurar no YouTube os gols de Pelé, e colocou ali, no volume mais alto, ao lado da cama onde dorme há 51 anos um dos maiores fãs do Rei. Calhou de ser aquele gol contra o Palmeiras, em 1959, de cabeça. O vigésimo sexto de Pelé na competição, que também consagraria o Rei como artilheiro daquele Paulistão. 

O som da narração chamou atenção de todos na casa. Correram para ver o que se tratava, quem teve a ideia de pôr aquilo ali. Um gatilho traumático pesado demais para aquela família que já vivia confinada em plena pandemia. 

Ao ouvir o gol de Pelé, Vovô Edson foi além do respiro profundo. Houve um balbucio, seguido por um sorriso. E todos os que acompanhavam a cena no pé da cama, tensos, como quem assiste à última cobrança de pênalti em final de Copa do Mundo, gritaram “gol!”, e, juntos, numa sincronia que parecia ensaiada, saltaram e desferiram, cada qual, o mais intenso soco no ar de suas vidas.

*coluna publicada originalmente na edição impressa de 23 de outubro de 2020.