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Estatística

publicado: 17/03/2023 00h00, última modificação: 17/03/2023 10h59

tags: Felipe Gesteira

por Felipe Gesteira*

Tudo pode mudar na vida de uma pessoa em dez minutos. Ao menos é o que dizem.

Adriano nunca acreditou nessas coisas. Cético até o talo e ateu de pai e mãe, duvida de sorte, acaso, ou qualquer outra coisa que não seja matematicamente explicável. Admira entropia e probabilidades, e na estatística sustenta seu modo de viver. Roberto e Sérgio, seus melhores amigos e companheiros de mesa de bar, dizem que Adriano só não acredita na teoria do destino porque quando é ele quem consome mais de dez minutos dentro do banheiro do boteco, são os outros que se borram na fila. Já teve briga, derrubada de porta, gente fazendo suas necessidades ali mesmo, pelo caminho, e nada o fez mudar o mau costume. 

No primeiro sábado do ano, como quem se compromete com uma resolução, Adriano bateu na mesa com uma nota de R$ 100 e disse que iria passar menos de dez minutos no banheiro. 

– Tá apostado, casem aqui! – provocou. 

Sérgio foi o primeiro a rebater, pois não queria dinheiro, e sabia que aquele valor era simbólico para Adriano. 

– Isso num é nada pra tu não, meu amigo. Se tu perder, num muda nada na tua vida, e se ganhar, foi porque armasse pra comer um trocado da gente e ainda sair falando. Faz assim, se tu ganhar a gente paga um ano de cerveja tua, mas se perder, você dirige pra gente ver o Belo em todos os jogos do Campeonato Paraibano. 

Roberto percebeu a jogada. Deixar Adriano nervoso no banheiro o faria perder a aposta. E se ganhasse, como ele era dos três o que menos bebia, pouca diferença faria nas contas de bar. Deu a lógica, Adriano perdeu, e foi por conta dessa aposta que eles foram parar em Patos, para assistir à missão impossível do Belo de se classificar na casa do rival para a semifinal do estadual. 

A cada minuto que passava em campo, crescia o sofrimento de quem viajou na esperança de voltar para a capital com a classificação. Um zero a zero com o gosto amargo da desesperança. Frio como só ele, Adriano disse no intervalo da partida aos amigos que não queria saber de prorrogação para ver novamente o time sofrer um gol nos acréscimos e a vergonha ser maior, e completou que se desse 45 minutos do segundo tempo e o Belo não estivesse com a vitória encaminhada, pegaria o carro e voltaria. 

Eles ouviram achando que era brincadeira. Dito e feito, 45 do segundo tempo, Adriano se levanta e pergunta se eles vão junto ou se iriam voltar de carona com alguém.

– Deixa de onda – respondeu Roberto.

O amigo pegou a chave do carro e saiu. No tempo adicional do jogo, euforia, gritaria, emoção. Aconteceu o inimaginável àquela altura. Roberto e Sérgio não viam a hora de contar a Adriano que por pura birra ele perdera uma vitória histórica. No estacionamento, não encontram o carro. Ligam pra ele, realmente já estava na estrada, de volta para casa.

– E o jogo? – perguntou, enquanto dirigia. 

– Se você foi embora sem querer saber do resultado, pra que saber agora? – respondeu Sérgio, prendendo o riso para matar de curiosidade o amigo que provavelmente se recusara a ligar o rádio ou espiar o placar pela internet. 

Eles viajaram o caminho de volta todo articulando diversas formas de zoar Adriano quando chegassem. O amigo que saiu na frente, mas não chegou. A sinuosa Serra de Santa Luzia, na estrada que liga Patos a João Pessoa, fez mais uma vítima fatal. Em lamento profundo, Sérgio creditava a tragédia aos dez minutos da saída antecipada do jogo, enquanto Roberto dizia que foram os dez da aposta, lá atrás, que mudaram o destino dos três. Apesar do luto, concordavam que se estivesse entre eles, Adriano diria que a fatalidade foi estatística.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 17 de março de 2023.