O vídeo conta a história de um marido que, acompanhado de por outro homem perseguiu a esposa até a entrada de um motel para fazer um flagrante dela com seu melhor amigo. As cenas são fortes. O cônjuge traído aparece enfurecido, quebra o carro do ‘amigo’, amassa a lataria de um canto a outro com uma chave de cano, e achando pouco dá um bofetão na mulher.
A partir daí foi um dia inteiro de zoação nas redes sociais. O vídeo estava no telefone de gente de todo lugar do país, compartilhado via WhatsApp. Não recebi, mas era tanta piada, mas tanta, que fui no YouTube procurar saber exatamente do que se tratava. Em todo lugar, no Facebook, na rua, na bodega, todo mundo fazendo piada com a mulher indo à manicure fazer as unhas. Era a desculpa que ela dava ao marido.
Fabíola é vítima, e aquilo tudo não tem graça nenhuma. Não tem graça acompanhar a vida íntima de um casal, fazer julgamentos, como foi feito. Não é da conta de ninguém se ela traiu, se traía, porque traiu.
Assisti ao vídeo procurando a graça, só encontrei pessoas desesperadas, ameaças de morte e um clima de tensão. A partir do momento em que ele desfere um bofetão no rosto da esposa, o vídeo toma outro rumo. Não é piada, não é normal.
No fim das contas, o vídeo se resume a uma cena explícita de violência contra a mulher. É crime, está previsto na Lei Maria da Penha. O cidadão que acompanhava o marido e ajudava a inflamar a situação registrou provas contra ele. Se foi traído ou não, pouco importa. Deveria ser preso.
E o que as pessoas diziam? “Bem feito”, ou “botou chifre, merece apanhar mesmo”, e vibravam com o marido depredando o carro do suposto amante de sua esposa e ameaçando os dois de morte. O discurso parte de pessoas aparentemente esclarecidas. Uma sociedade que vê graça em mulher apanhando, que torce por isso, compartilha esse tipo de conduta, só pode ser muito doente.
Concessões falidas
No mesmo dia, como não poderia ser diferente, o caso foi pauta nos telejornais sensacionalistas. Reproduziram o vídeo na íntegra. A história virou pública. Não pouparam os nomes das pessoas, a cidade onde o crime de violência contra a mulher aconteceu, nada. Tudo estava ali, sob novos julgamentos e até análises feitas por comentaristas. Aqueles programas da tarde se deleitaram, horas inteiras se debruçando sobre o mesmo tema.
A quem servem essas concessões públicas de comunicação? Não à sociedade. Em um tempo onde nós, jornalistas, lutamos por mais igualdade de gênero, parte da mídia se dedicou a propagar ainda mais a violência como entretenimento, galhofa, ou exemplo a ser seguido.