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Iogurte

publicado: 31/03/2023 00h00, última modificação: 31/03/2023 11h26

por Felipe Gesteira*

Conhecida como a Cidade Sorriso pela forma como sorriem as pessoas daquela terra, Sousa estava em êxtase após a acachapante vitória da equipe de futebol que carrega o mesmo nome do município sobre o pomposo clube da capital. Na manhã seguinte ao estrondoso 5 a 1, os dentes estavam à mostra pelas ruas, no comércio, na praça. Um sol para cada pessoa e um sorriso no quarador, escancarado, de orelha a orelha. Por ser considerado o maior do Sertão, o time se consolidava como motivo de orgulho de cada cidadão, mesmo daquele que não gostasse de futebol. Mas apesar do baile, nem todo sousense estava feliz naquela histórica manhã de segunda-feira.

            Bebiano amanhecera arrasado, mal conseguia esconder sua frustração. Do alto de sua tristeza dissonante ele aproveitava que, diferentemente de outros tempos, quando a algazarra se fazia entre os pares, nesta pós-modernidade em que a vida se volta mais para as telas do que à linha do horizonte, os torcedores do Sousa estavam muito ocupados para perceberam seu mau humor, bitolados em telefones para mangar dos adversários por meio das redes sociais digitais.

            E olhe que ele é daqueles sousenses que não só se orgulha de tudo o que vem da sua terra como também vibra com o futebol, como quem acaba de descobrir um amor novo e passa a conviver cotidianamente com a revoada de borboletas no estômago. O motivo da tristeza, mesmo após o belíssimo triunfo de seu time do coração, era a frustração como anfitrião da torcida da casa à adversária na partida.

            É bastante comum pensar que torcidas de times adversários são necessariamente também inimigas. Está no imaginário formado pelas cenas de confronto reproduzidas na mídia, muitas vezes sob pontos de vista preconceituosos, como se torcedor fosse um marginal em sua essência. Nem marginais, tampouco inimigos. E no caso de Sousa e Botafogo, havia até certa amizade que, diferenças em campo à parte, se confraternizariam horas antes da partida.

            Ficou a cargo de Bebiano fazer as vezes de anfitrião. Pensar em como receber, o que servir. Se a fama da receptividade sousense ecoa por todo o Nordeste, imaginem o que pensavam conterrâneos do mesmo estado? O abraço apertado seria pouco para fazer jus, pensou o torcedor do time sertanejo. Mandou fazer uma faixa e pendurou no local onde seria servido um lanche para os amigos e rivais.

            E sobre este lanche pairava a maior das dúvidas: o que servir?

            Por ser a capital da Paraíba, tudo o que se come em Sousa chega também em João Pessoa. Até a água de coco da Cidade Sorriso, famosa por ser a mais doce do mundo, se encontra fácil na orla pessoense. Cowboy, o Rei do Coco, ali no Cabo Branco, jura de pés juntos que jamais vendeu um só coco vindo da Malásia ou de qualquer outra região, e se orgulha por só trabalhar com produtos de primeira linha, que vêm diretamente de Sousa.

Se o rubacão é feito em todo lugar desde o Brejo, o melhor doce de leite vem de Condado, e os queijos, de Taperoá, o que resta a Sousa? Bebiano lembrou que iogurte pode ser vendido em toda parte do Brasil, mas nenhum é tão bom quanto o de Sousa.

            Decidido o que seria apresentado como iguaria, mandou preparar um caldeirão de munguzá salgado, desses que até se encontram em outras cidades do Sertão, mas raramente são vistos nas bandas da capital. Caldo grosso, de lamber os beiços e repetir até não poder mais, ou, sabiamente, guardar um lugar para a sobremesa.

            Além do munguzá, nada mais foi servido para não atrapalhar. Nem doce, nem suco. Era só munguzá e iogurte. Besta quem desconfiasse que não combinavam, pois degustados separadamente, defendia Bebiano, o estômago não faria gosto ruim, não. Serviu iogurte de ameixa e de goiaba, sabores criados pela genialidade de sousenses e que caíram no gosto dos brasileiros. O anfitrião tinha certeza que com aquela decisão faria a melhor recepção a uma torcida já vista na história do futebol paraibano.

            Ao terminar a festa e começar a partida, tamanho foi seu desgosto. Olhava para os copos de iogurte, cheios, desprezados, e não sabia aonde havia errado. Oferecera o que tinha de melhor e os visitantes deram de ombros, indo só no munguzá. Será que confundiram o visual do iogurte de goiaba, único, com um reles sabor morango? Se perguntava já na arquibancada, acabrunhado, e para cada gol, virava um copo.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 31 de março de 2023.