por Felipe Gesteira*
Ir ao estádio de futebol hoje em dia não tem a mesma graça para Seu Vicente. Não que ele tenha virado fã do futebol de televisão, jamais. Tampouco aderiu aos times do Sul e Sudeste. O coração do velho morador do bairro de Mangabeira é e continuará sendo unicamente do Auto Esporte. E apesar de todo o charme que há em assistir aos jogos no Estádio da Graça, em Cruz das Armas, sua casa é mesmo o Almeidão, pois foi lá que por tantas vezes ele foi feliz no auge do time, ainda nos tempos de Botauto com arquibancada lotada.
É injusto dizer que torcer perdeu parte da graça só porque o Autinho do Amor caiu em desgraça. Vai voltar aos tempos da glória, o torcedor alvirrubro bem sabe, sabe-se lá quando, mas vai. E é claro que ir ao Almeidão, comer, beber, vibrar e cantar era muito melhor quando a festa terminava com uma bela vitória sobre o tricolor da capital, como dizem os torcedores do Auto, ou Alvinegro da Estrela Vermelha, como preferem os botafoguenses. Seu Vicente preferia ganhar, mas se divertia na vitória ou na derrota.
É que outrora, ir ao estádio representava um estado de satisfação que começava imediatamente após o jogo que se encerrava, já com o planejamento da ida para a partida seguinte. A torcida organizada preparava batucada, faixas, bandeirões, comidas e bebidas para que a diversão fosse completa.
Agora não pode levar mais nada. É justo que não possa levar bandeirão? E a meiotinha de cachaça? Bem, justo é. São medidas que foram impostas ao longo dos anos para evitar a violência nos estádios. Para Seu Vicente, é lamentável que muitos paguem pela violência cometida por uns poucos, mas no fim das contas, apesar do saudosismo, o próprio reconhece a medida como um avanço, entende a nova situação e celebra pelo ambiente mais seguro, sem essa de “no meu tempo era melhor”.
— Era sim — ele admite internamente, mas não diz em voz alta para não ser o torcedor velho que vive de memória. Do passado, já basta ter que buscar o tempo todo as lembranças para poder sorrir com o time, que agora volta à primeira divisão, já cotado pela imprensa esportiva como candidato a cair de volta à segundona.
Seu Vicente nem acredita que vai novamente ao Almeidão torcer pelo Auto na elite do Campeonato Paraibano. Depois de amargar confrontos contra Miramar, Lucena, Perilima e outros times de pouco glamour, agora sim o Macaco Autino volta a enfrentar Treze, Sousa, Campinense, CSP, além de seu grande rival, o Belo, para o qual praticamente se resume o campeonato, pois se o torcedor dos grandes sempre almeja o título, o torcedor do Auto se contenta com menos. Basta não cair de divisão e ganhar do Botafogo que está feita a temporada.
Para a partida de estreia, quase faltou o dinheiro do ingresso de Seu Vicente. É que tudo está mais caro: transporte, alimentação, energia elétrica. O salário do pobre torcedor não tem o mesmo poder de compra de antes, e mesmo que fosse permitida a cachacinha, talvez ele nem pudesse levar por falta de condições financeiras mesmo. Para não deixar de apoiar o time, que vai fazer o primeiro jogo numa quarta-feira, Seu Vicente faz um desjejum reforçado e sacrifica o almoço para conseguir pagar a entrada no Almeidão.
Nem o dia sem comer direito foi motivo para tristeza. Ver de perto o esquadrão alvirrubro entrar em campo fez valer todo sacrifício. Com os dois reais que lhe sobraram, Seu Vicente comprou um cremosinn e uma laranja-baía. Nada que matasse a fome, mas serviria para distrair. Tratou de comer logo o doce gelado e guardou a laranja para o segundo tempo da partida.
Era seu último alimento, com gosto de afeto, um azedinho de saudade e o sabor da esperança por um retorno aos idos da glória. Infelizmente não deu tempo de saborear. O impulso foi fulminante diante da injustiça. Um pênalti mal marcado contra o Auto. Três pontos surrupiados em casa, à vista grossa, pelo juiz, sem qualquer desfaçatez. A laranja-baía voou, acertando em cheio o árbitro, que não se machucou. A laranjada só serviu para aumentar a raiva do juiz. E Seu Vicente, arrependido, saiu envergonhado da arquibancada, sem vitória, nem diversão, e o gosto da laranja apenas na lembrança.