por Felipe Gesteira*
As privações na vida de um atleta parecem nunca ter fim. Festas, churrascos, excessos na sobremesa, aquela saída que termina somente no dia seguinte, a cervejinha do fim de semana, nada disso cabia no dia a dia de Cecílio, que desde a adolescência abriu mão de estar com amigos e familiares para manter a rígida rotina de uma competidor profissional. Agora homem feito e mais perto dos 40 que dos 30, porém sem ter ainda alcançado o sonho de participar de uma edição dos Jogos Olímpicos, ele se pergunta se teria valido a pena ceder sua juventude em troca de um sonho.
Mas atleta sequer tem tempo para perguntas difíceis.
Em seu provável último ciclo olímpico, Cecílio conseguiu alcançar um padrão de treinamentos tão perfeito que estava ali estabelecida sua melhor marca no salto com vara, de forma que se tornava previsível chegar, sempre que queria, à maior altura já atingida.
O problema é que essa melhor marca não era suficiente para a olimpíada. Seria o momento de desistir do sonho e tornar todo o esforço até aqui em vão? Cecílio decidiu que não, e além da técnica, da performance e das opiniões profissionais, foi no colo de sua avó buscar uma outra opinião. A matriarca não entendia nada de esporte, nunca havia praticado nem baleado, mas sempre tinha um apontamento sagaz, quase intuitivo, sobre qualquer coisa. E assim era conhecida na família por resolver a vida de todos com seus pitacos.
Após ouvir atentamente a questão do neto e entender que faltavam poucos centímetros de sarrafo acima para que ele alcançasse a tão sonhada vaga olímpica, Dona Beta respondeu como se fosse algo de fácil resolução:
— Pra pular ainda mais alto é só estar mais leve, meu filho — disse a velha.
O problema é que Cecílio nem tinha mais margem para perda de peso. Só a “grade”, “o couro e o osso”, eram apelidos dados a ele. Tamanha era a falta de gordura corporal que não se podia ligar um ventilador e ele já passava frio. Doar sangue, nem pensar, pois não tinha o peso mínimo.
Ele decidiu então treinar em jejum. Ia levinho, levinho, mas na hora de saltar, lhe faltava a força necessária, e assim mal subia. Seu treinador o viu cabisbaixo, perguntou o que estava acontecendo e, ao saber da situação, foi duro:
— Olha, Cecílio, se quer tirar peso do corpo, arruma outro jeito. Mas sem comida num dá, ok? Nunca ouviu falar que saco vazio não fica em pé?
Cecílio decidiu marcar uma sessão de depilação na semana da última prova oficial em que tentaria atingir o índice olímpico. Era a derradeira ideia para ficar mais leve. Faria igual aos nadadores. Como bom atleta que sempre foi, resignou-se frente à cera quente. Removeu pêlos de todo canto. Se estava levinho o suficiente, não sabia, mas lisinho estava sim.
Foi no dia seguinte elevar o sarrafo para conseguir no último treinamento antes do descanso e da prova alcançar a marca desejada. Por mais que seu técnico dissesse que aquela história de depilação era “invenção”, houve sim melhora. Cecílio ultrapassou sua melhor marca em 2 centímetros, mas ainda não era o suficiente para levá-lo à Olimpíada. Ele então desistiu de procurar novas alternativas, se recolheu no alojamento da concentração e entregou seu destino ao imponderável. Se tivesse de ser, seria na sorte.
Ao perceber o semblante arrasado de seu marido, Rejane decidiu que se ele iria fracassar em seu sonho, ao menos a lembrança daquela semana não seria toda ruim. Comprou lingerie nova, se produziu toda e invadiu o quarto onde dormia Cecílio. Resolveu por conta própria dar-lhe uma tórrida noite de amor.
No dia seguinte, ainda de pernas bambas, pulou alto como nunca. Seu treinador não acreditava que seria possível. Sabia que com aquele vigor o atleta não estava em jejum, e foi então matar a curiosidade acerca de algum método adotado por Cecílio.
— E aí, meu atleta olímpico? O que você fez para perder peso além dos pêlos e conseguir a marca? — e Cecílio respondeu com o sorriso mais bobo estampado no rosto:
— Saco vazio.