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Lutador desonesto

publicado: 09/09/2022 00h00, última modificação: 16/09/2022 10h56

por Felipe Gesteira*

O que fazer quando seu adversário é mais dedicado, forte, rápido, talentoso e até carismático? A resposta óbvia de todo treinador sensato para que seu discípulo em desvantagem consiga bater o oponente deveria ser, no mínimo, algo na linha “treinar mais duro”. Outros mandariam o aluno procurar fazer o que o outro faz para conseguir tanto sucesso, despertando assim certa inveja competitiva.

Na dúvida entre se dedicar mais ou entregar os pontos, Odair escolheu uma terceira via, a trapaça. Perdeu o mentor quando disse que iria fazer de tudo, até trapacear, para alcançar a vitória. Botou na cabeça que o pior cenário é amargar a derrota. Sua doença do ego dizia que pior do que perder seria enfrentar a opinião das pessoas. Um contrassenso logo para ele, que não ouvia nem conselho de mãe. A primeira vez que contrariou sua genitora foi no início da carreira de lutador, quando fez uso de substância classificada como doping. Só sabia a verdade quem morava com ele. A mãe ficou indignada, não criara o filho para isso. E logo um atleta, que deveria dar exemplo. Ela ameaçou contar pra todo mundo e jogar no lixo aquela medalha “chinfrim”, como dizia, mas o filho a obrigou a guardar segredo, levantando a mão contra a própria mãe. E assim, impondo sigilo sobre seus malfeitos, Odair seguia trapaceando.

Havia quem se enganasse com aquela imagem de atleta esforçado. Ele se portava como um sujeito detestável, pois fazia questão de ser truculento, mal educado, grosseiro em todos os momentos, especialmente contra mulheres, e, apesar do contexto, dizia a quem se sentia incomodado que subia no ringue para lutar, não para fazer amigos, e quem se incomodasse, que apostasse no adversário para “perder dinheiro”.

Seu reinado de ódio estava prestes a ruir diante do oponente que se apresentava como um fenômeno. Mais forte, mais rápido e muito mais carismático, José era naturalmente sorridente. Sorria por gratidão a tudo o que a vida lhe dava. A doçura das pessoas que o acompanhavam lhe bastava, e ele dizia que se dedicar para representar o seu povo era sua forma de retribuir tanto carinho. Havia sim um quê de marketing no jovem lutador. Sua enorme dedicação aos treinos na verdade era decorrente do aprendizado na infância, um passado de extrema pobreza. Depois que alcançou por meio do esporte a condição de fazer três refeições ao dia e proporcionar o mesmo à família, o atleta se tornou impecável e imbatível. 

Uma luta definitiva daria ao vencedor o direito de representar o país no torneio mundial. Os fãs acompanhavam José em todos os seus treinamentos, desde a corrida de manhã cedinho até a rotina na academia. Enquanto isso, Odair desperdiçava seu tempo planejando como vencer por meios não convencionais. 

No dia do confronto, uma multidão caminhou com José. Odair chegou acompanhado de poucos amigos. Para surpresa de todos, o árbitro resolveu fazer uma inspeção nas luvas. Encontrou pedras nas que seriam usadas por Odair. O público que estava lá para assistir à luta quase o linchava. Aproveitando a revolta coletiva, a mãe de Odair botou todas as verdades pra fora. 

O combate estava para ser anulado com vitória declarada a José, mas em respeito a quem saiu de casa, o lutador sorridente disse que subiria no ringue assim mesmo. 

Desesperado e na iminência da derrota, Odair pegou o microfone a fim de desviar a atenção de tudo o que havia feito de errado e bradou:

— Posso até perder, mas ao menos sou imbrochável!

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 9 de setembro de 2022.