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Maior de todos os tempos

publicado: 30/06/2023 12h16, última modificação: 30/06/2023 12h16

por Felipe Gesteira*

O trauma de ter assistido à primeira Copa do Mundo em 2010 jamais fora superado. Martina mal entendia de futebol, mas viu a aflição de mãe, pai, tios, primos e avós logo que o então técnico da Seleção Brasileira decidiu levar sete volantes para compor o setor que serve para defender, obviamente, mas também para criar, e de criativo só levou Kaká, que já havia sido melhor do mundo, mas à época, sabidamente estava bichado. Alex, em grande fase no futebol turco, “comendo a bola”, como dizia sua cunhada, ficou de fora enquanto Felipe Melo era absoluto no time.

Martina era fã de Juninho Pernambucano. Ela sabia que seu ídolo não estava na melhor forma para disputar o mundial fazendo frente a Kaká. Após carregar o Lyon nas costas e conquistar 14 títulos, o nordestino foi fazer dinheiro no Catar. Apesar de passado o auge, ainda assim poderia servir melhor à Seleção do que Kaká machucado ou mesmo os perebas que compuseram aquele time, como Kleberson e Júlio Baptista.

Mas tão teimosa quanto o técnico da Seleção era Martina. Na época, não abria nem para um trem, e mesmo com seus familiares contrários à sua opinião, ela assinava embaixo na fala da mãe e dizia que com Juninho Pernambucano tudo teria sido diferente. Sobre o resultado, é história. Martina chorou o quanto pôde e enxugou as lágrimas crescendo e amadurecendo como fã de futebol. Hoje, adulta e entendendo mais do esporte do que muita gente, ela se incomoda com a falta de embasamento quando alguém que diz saber muito a respeito e abre a boca para emitir uma opinião.

A impressão de Martina é que toda opinião se afasta dos critérios técnicos para ancorar-se em preferências pessoais. Isso vale para todos os comparativos, por exemplo, sobre quem foi melhor. Pelé ou Maradona? Zico ou Roberto Dinamite? Romário ou Bebeto? Ronaldo ou Ronaldinho Gaúcho? Messi ou Cristiano Ronaldo? Para todas as cinco perguntas, com exceção da última, há resposta fácil e que pode ser defendida tecnicamente, ela justifica. Mas quando diz que Juninho foi um dos maiores meias brasileiros de todos os tempos, a chiadeira é grande. Sem conseguir conversar com ninguém que possa debater longamente e afastado de paixões estritamente pessoais, seja numa mesa de bar ou balançando numa rede na varanda, Martina cansou, até que ouviu do sobrinho a novidade e seus olhos curiosos se encheram de esperança.

- Como é? Inteligência artificial?

- É, tia. Você pergunta e ela responde. Só diz a verdade e usa unicamente critérios técnicos.

Martina estava decidida a perguntar sobre a polêmica que nunca teve coragem de levantar no almoço de domingo. Para ela o apreço pelo ex-meia do Lyon e do Vasco da Gama também é sentimental, portanto não queria mexer nisso com receio de ouvir uma verdade dura. A questão seria sobre quem era melhor acima de todos, o que sob seu ponto de vista é óbvio, mas com uma chancela isenta ganharia qualquer debate.

Munida de um pendrive, Martina correu para a lan house mais próxima do sítio onde mora com a família. Foi conhecer o tal ChatGPT, que tudo sabe, tudo vê, e sobre o que não sabe inventa fazendo parecer que já sabia. Para testar a máquina, primeiro perguntou quem foi maior entre Pelé e Maradona. A inteligência artificial prontamente se mostrou evasiva dizendo que “ambos são ícones do esporte e deixaram uma marca indelével na história do futebol”. Em seguida ela perguntou quem é melhor, Messi ou Cristiano Ronaldo, e a máquina respondeu: “Em última análise, a resposta para quem é o melhor entre Messi e Cristiano Ronaldo pode variar dependendo da perspectiva de cada indivíduo e de critérios específicos utilizados para avaliar o desempenho dos jogadores.”

Novamente em cima do muro, pensou Martina. O que pior poderia acontecer diante de sua pergunta definitiva seria a ferramenta afirmar que Pelé foi maior, o que na opinião pessoal dela mostraria uma ‘burrice’ artificial. Se Marta aparecesse maior, teria a prova para calar todos os marmanjos, e se mais uma vez ficasse entre um e outro, mesmo assim lhe seria útil. Logo digitou:

- Sem considerar o gênero, quem foi maior, Pelé ou Marta?

E a ‘inteligência’ respondeu:

“No final das contas, a avaliação de quem foi ‘maior’ entre Pelé e Marta depende de diferentes critérios, perspectivas e preferências pessoais. Ambos tiveram um impacto significativo e deixaram um legado importante no futebol, independentemente de gênero.”

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 30 de junho de 2023.