por Felipe Gesteira*
O rangido das duas cadeiras de balanço junto ao gancho e punho da rede da varanda formam uma sinfonia de ferro e ferrugem que só é interrompida quando a chaleira grita para avisar que a água está no ponto de passar o café. A bebida fumegante no meio da manhã quente contribui para o argumento do trio, que assopra, reclama do calor e bebe mais um gole. O encontro dos três é religioso, toda sexta, para um almoço diante da paisagem árida do sítio. Nesta, em especial, eles aguardam começar o jogo da Seleção.
Adriano, Rosa, Sérgio e Vamberta prometeram em 2002, ano da aposentadoria dos quatro amigos de infância, que acompanhariam todas as Copas do Mundo de perto se o Brasil fosse campeão. Como o penta veio, o compromisso se firmou a partir do mundial seguinte, interrompido neste porque Rosa deixou o plano terrestre mais cedo. Morreu poucos meses depois do segundo título da França, quando começavam a planejar a viagem para o Catar.
Assistindo aos jogos pela televisão, Vamberta, Sérgio e Adriano celebram a saudade da amiga e revivem os momentos felizes das últimas viagens juntos. Enquanto Sérgio e Vamberta disputam para ver quem recorda a história mais engraçada, Adriano apenas escuta, balança a cabeça e sorri de canto de boca.
— Tu lembra daquela vez, Sérgio, lá na Alemanha, quando Adriano comprou tanta cerveja que não deu tempo beber tudo enquanto estava gelada e ele ficou dando desculpa de que tomava quente pra se sentir como os alemães, que botam pra descer de todo jeito?
— Né isso. Desculpa de amarelo toda vida foi comer barro. Mas bom mesmo foi na Copa seguinte, na África, quando Rosa foi trocar de camisa com uma holandesa, esqueceu que estava sem sutiã e ficou toda atrapalhada com os peitos de fora. Fosse nessa do Catar, ia sair do estádio de carona no camburão de luxo, já que tudo lá é caro.
— Bom também foi na última Copa, quando aquele russo sapecou um beijão na tua boca pra comemorar um gol, lembra?
— Claro que lembro, aquele bafo é inesquecível! Eu não sabia se o mau cheiro vinha da boca, do sovaco ou do fundo. Tudo bem que num gosto de beijar homem, mas já que foi roubado, ao menos chegasse cheirosinho.
Nesse momento Adriano se engasga com o café quente, mas segue calado.
— Isso no Catar também dá cadeia.
— Ser fedorento?
— Não, abestalhado. Homem beijar homem.
— Ah, sim. É mesmo.
— Eu ri foi na Copa do Brasil da vez que Rosa foi consolar aquele menino que estava soluçando no Mineirão, depois do 7 a 1, ela inocente achando que ele chorava pela Seleção, quando ouviu a história soube que o choro era porque acabara de descobrir um chifre.
— Eita, essa eu não sabia. E terminou como?
— Ela levando o rapaz pro hotel.
— Minha gente, é muita história. Adriano, vamo pra essa Copa? Dá tempo ainda. A gente compra ingressos da semifinal pra frente. Vamo!? — convida Sérgio, levantando da rede para a conversa chegar mais perto.
As duas cadeiras de balanço param. Vamberta abre um sorriso em consonância com o convite do amigo. Adriano dá um gole grande no café ainda quente, repousa a caneca no chão de cimento queimado e resmunga:
— Se for pra sair daqui e não poder beber até cair, mangar de quem fica pelado por engano, beijar desconhecido e em vez de arriscar uma doença venérea perigar ser preso, é melhor ficar.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 9 de dezembro de 2022.