por Felipe Gesteira*
Nada dentro de casa estava bom o suficiente para atender ao padrão de exigência de Seu Rigoberto. O ponto da carne não era de seu agrado, a camisa não ficava engomada como ele gostaria, as crianças não se comportavam à mesa. Da parte dele, mesmo, não fazia nada, apenas delegava, como clássico chefe de família tradicional.
O tempo passou, os filhos cresceram, e Seu Rigoberto continuava a achar defeito em tudo. Se o mais velho se arrumava para sair, ele procurava um único erro para apontar. A camisa podia estar bonita, a calça combinando, mas bastava o cabelo assanhado para que ele reduzisse o filho a “horroroso”.
Não era só em casa que o duro crivo de Seu Rigoberto se impunha. De tanto encontrar defeito em tudo, virou crítico no jornal da cidade. Ele fazia como os críticos de arte que põem o trabalho do artista abaixo só para que o próprio pareça ser mais relevante. A diferença é que escrevia sobre esportes. E foi assinando textos que Rigoberto Barroso ficou famoso como "o olho que tudo vê” no futebol.
O placar podia terminar em 3 a 0 para a Seleção Brasileira num duelo contra a Argentina, mas Rigoberto fazia questão de ressaltar o pênalti perdido e a possível goleada de 4 que fora desperdiçada.
Se um gol de falta era marcado bem ali, onde dorme a coruja, não era mérito do batedor que colocara a bola com os pés como quem coloca com as mãos, mas “falha” do goleiro que não chegou a tempo de impedir o feito.
A bomba de fora da área era culpa de todo mundo que estava no caminho entre o jogador que chutou e o gol; a cobrança defendida era culpa de quem bateu; a falta tática cometida para interromper um contra-ataque era culpa do atacante que não soube o tempo de pular para desviar do carrinho adversário.
Rigoberto Barroso era crítico desde as coisas menores no esporte às cotidianas no ambiente de trabalho, junto aos seus colegas. O café sempre estava ruim, o sol do lado de fora era insuportável, a temperatura do ar condicionado não o agradava.
E quando um atleta errava o suficiente para ser o protagonista da partida em decorrência de sua falha, ele saía da crítica desconstrutiva para um outro patamar: a destruição de reputações. Rigoberto elaborava o texto de forma a deixar raso, acabar mesmo com a figura que cometera o erro dentro de campo.
Ele achava graça fazer esse tipo de comentário, assim como se regozijava com o burburinho em torno dos seus textos. Vez por outra era convidado a participar de programas de rádio e TV. Os veículos o chamavam pela polêmica, mas ele acreditava que o convite acontecia por sua suposta habilidade na crítica.
O ego tanto cega que Rigoberto não via mais nada. Era temido por jogadores e dirigentes esportivos, ao passo que também servia como motivo de chacota dos profissionais da área, ou de como não ser, devido a tanto folclore com apontamentos cruéis demais para serem considerados. Nem Messi e Cristiano Ronaldo eram poupados das análises do crítico, que observava aspectos do desempenho esportivo sobre os quais ele sequer tinha domínio.
Era respeitado, mas nunca lembrado na hora das confraternizações no trabalho. Dos grupos de WhatsApp estava sempre excluído. E enquanto o tempo passava e seu ego crescia, continuava sendo escanteado. Em casa, cada vez mais duro, mais crítico, até tornar-se desagradável. Ao se arraigar no rigor em excesso, Rigoberto desconectou-se dos afetos.