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O melhor lateral do mundo!*

publicado: 22/10/2021 08h00, última modificação: 22/10/2021 10h11

por Felipe Gesteira**

 

Nos idos de 1970, Moisés era o segundo reserva da lateral-esquerda do Cruzeiro de Mulungu, um dos mais tradicionais times da região de Guarabira, no Brejo paraibano. A vaga cativa no banco não era por falta de habilidade, visto que o ala tanto era bom apoiador, como voltava para marcar, o que compensava sua deficiência na precisão dos cruzamentos. Dizia-se pela cidade que a falta de oportunidade era pura perseguição do treinador. 

Chamava a atenção a determinação do jogador. Mesmo sem espaço entre os titulares, Moisés não deixava de treinar, de se dedicar. Era o primeiro a chegar e o último a sair, e se não aprendia a bater um escanteio de forma minimamente satisfatória, Deus era testemunha de que a imprecisão não se dava por falta de esforço. Nos jogos, amargava o banco. Nem mesmo uns minutinhos no final da partida, para ajudar a motivar, ele conseguia. Mas assim, seguia, tão assíduo quanto o capitão do elenco. 

O que ninguém imaginava era que Moisés viria a ser o melhor lateral-esquerdo do mundo, botando no chinelo o atual tricampeão mundial Carlos Alberto Torres em confronto quase direto pela mesma lateral contra o ala-direito da Seleção Canarinho.

Enfrentar o capitão do Tri era o sonho da vida do jogador do Cruzeiro de Mulungu. Vencê-lo, então, parecia delírio. Mas é o que a história conta, ou o que conta Moisés a seus descendentes.

Seis anos após a conquista do Tri Mundial em 1970, no México, a Seleção Brasileira fez um jogo amistoso contra o Flamengo, no Maracanã. Por mais improvável que parecesse, já que se tratava de um embate entre uma seleção nacional e um clube, a vitória foi do time rubro-negro, por 2 a 1. 

Quatro anos depois do triunfo do clube carioca sobre a Seleção Brasileira, foi a vez de um time paraibano surpreender o Flamengo. Também não era qualquer esquadrão flamenguista, mas justo aquele de Zico, Júnior e Andrade. O Botafogo da Paraíba calou o Maracanã, feito que é contado até hoje como um dos maiores da história do Belo. 

Meses depois, jogando no estádio Almeidão, o Botafogo escalou o time reserva para enfrentar o Campinense pelo Campeonato Paraibano. A Raposa, que não tinha nada a ver com as demais competições que o Belo disputava, entrou com força máxima e venceu o time de João Pessoa. 

A rodada seguinte do estadual era praticamente para cumprir tabela. Já desclassificada, a Desportiva Guarabira entrava em campo para fazer um jogo de honra contra o Campinense, que enfrentaria o Treze na primeira partida do quadrangular final. Enquanto os rubro-negros de Campina Grande jogavam ‘tirando o pé’, pensando em reduzir qualquer risco de lesão, a equipe de Guarabira fez o jogo da vida. Venceram por 1 a 0. 

Na pré-temporada para o Paraibano do ano seguinte, a Desportiva Guarabira marcou um amistoso contra o Cruzeiro, em Mulungu. A Prefeitura Municipal ofereceu um jantar na véspera do jogo, em celebração ao amistoso que marcaria a inauguração do novo campo de futebol da cidade. Todos os jogadores da Desportiva e parte do time de Mulungu compareceram ao evento, com exceção de Moisés, que trabalhava no mesmo horário e, por isso, não pôde estar presente. 

Em vez do prefeito, foi a maionese a protagonista. Houve comoção no vestiário dos dois times, com filas intermináveis para o banheiro. Entre caídos e desidratados, o jogo aconteceu, e com tantos desfalques, Moisés entrou como titular. Estava inteiro, deu o seu melhor. Marcou até uma assistência, além de um quase gol. 

E se o Cruzeiro de Mulungu venceu a Desportiva Guarabira, que ganhou do Campinense, que por sua vez derrotou o Belo, que calou o Flamengo no Maracanã, que no mesmo estádio derrotou a Seleção Brasileira campeã do Tri, então o Cruzeiro de Mulungu venceu o Brasil! Ao menos assim conta Moisés.

*Dedicado ao querido Antônio Morais.

** Coluna publicada originalmente na edição impressa de 22 de outubro de 2021.