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O torcedor chato

publicado: 08/04/2022 08h00, última modificação: 13/04/2022 11h39

por Felipe Gesteira*


Se um dia algum pesquisador inventar de fazer um ranking com os dez torcedores mais chatos do Brasil, com certeza estará figurando entre os três primeiros o torcedor do Vasco. Não ganha nada há anos, mas vive de procurar saber o que anda fazendo o Flamengo só pra tirar sarro do rival, nem que seja gozando com o dos outros. Só quem torce pelo Vasco é chato a ponto de fazer contagem de títulos de vice-campeão e se justificar, devidamente documentado, que seu time não é nem nunca foi o maior vice. O torcedor do Vasco bem que poderia, na atual situação, fazer como o do Botafogo e deixar pra lá. Mas, não, faz questão de ser chato.

Talvez mais chato que o torcedor do Vasco seja o do Treze. Ô raça difícil de conviver é aquele que dedica a vida a sofrer pelo Galo da Borborema. O torcedor trezeano é o único do país a nascer com estágio probatório em história e engenharia, pois além de viver de um título nacional de sabe-se lá quando, faz medição de área construída do seu estádio, o Presidente Vargas, e do Renatão, estádio do time rival Campinense, só para dizer quem dos dois tem mais gabarito no quesito construção, já que na bola a Raposa é maior. 

Mas se em vez de ranking feito por um cientista for feita uma pesquisa, disparado na frente vai estar o torcedor do São Paulo. É tanta empáfia com uns títulos lá de trás que eles nem cabem em si. Tudo bem que são os maiores campeões do mundo no Brasil, mas tá bom, já deu. De tanto que vivem do passado, até parece que o hino é uma piada pronta quando menciona as suas glórias. 

E se o torcedor são-paulino não tem muito o que comemorar ultimamente, resta secar o rival. Assim foi na final do mundial entre Chelsea e Palmeiras, com o Brasil inteiro assistindo ao jogo pela TV e os secadores ligados em maior ou menor intensidade, a depender da origem da torcida. 

Num pequeno condomínio localizado em João Pessoa, três torcedores de times paulistas coabitam em andares posicionados um acima do outro. No térreo, o palmeirense monta mesa e TV na área externa, faz churrasco, festa e gritaria. No andar de cima, o são-paulino seca baixinho, com vergonha que descubram que ele está acompanhando o jogo e alimentando sua dor de cotovelo. No segundo andar, o corintiano escrachado assiste a tudo com um olho na tela e outro do lado de fora da janela, pra comentar cada lance com a turma animada lá de baixo. Mas o que apimentou a final foi a diferença no tempo de transmissão: o palmeirense, conectado pela internet e não pela antena, sofria com cerca de dez segundos de atraso. 

Bom é que o torcedor do São Paulo mora nesse prédio há cinco anos, mas nunca deixou que ninguém soubesse qual era o seu time. Cruzava com os vizinhos e nem falava de futebol que era para o assunto não render. No máximo fazia alguma observação sobre o calor ou uma chuva. Na final do Verdão contra o Chelsea, a cada gol ele gritava “não tem mundial!”, e esperava a zoação do corintiano lá de cima. 

Como zoeira boa é aquela que vem com troco, pouco depois chegou a final do Campeonato Paulista, aquele mesmo que os são-paulinos viviam a menosprezar chamando de Paulistinha, mas que agora é o que resta e virou até Paulistão. E era justamente um São Paulo e Palmeiras! Na partida de ida, foi farra e bagunça, mas ninguém respondia. Parecia que o palmeirense estava assistindo ao jogo fora de casa. Na volta, o são-paulino estava com grito de campeão até ensaiado devido à vantagem de dois gols alcançada no Morumbi. Mas para engrossar o caldo da treta entre os vizinhos, o melhor não foi nem o chocolate palmeirense com os 4 a 0 na partida de volta, mas o sistema de transmissão instalado pelo vizinho de baixo, que desta vez lhe deu a vantagem no tempo de recepção do sinal. Em cada um dos quatro gols se ouviu um urro do vizinho, um grito desaforado, desentalado, desses que atraso nenhum de internet consegue segurar. No dia seguinte, no corredor do prédio, desassuntado era o mínimo que se podia dizer do torcedor tricolor. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 8 de abril de 2022.