por Felipe Gesteira*
O cheiro de cimento na vida adulta de Adriano remete a dinheiro. Dono de uma pequena construtora no Rio de Janeiro, ele está muito melhor do que a maior parte dos seus amigos que jogavam bola com ele na favela. Venceu com muito esforço, dele e de seu pai, que o criou sozinho, com a ajuda dos vizinhos quando saía para trabalhar, e apesar da conquista, não se sente melhor que os outros por isso. Adriano tem consciência de que seu sucesso é também exceção, e que essa conversa de meritocracia é falácia criada para fomentar ainda mais desigualdades.
Ao final de cada dia, seu pai, conhecido na comunidade como Paraíba, chegava com as roupas ainda sujas de cimento. Ele foi tentar a vida no Rio de Janeiro e conseguiu emprego na construção do Maracanã, aquele que seria palco de tantas conquistas dos times cariocas, mas que antes, planejado para ser o local de triunfo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950, fora a casa da tragédia contra os uruguaios.
Paraíba ficou viúvo ainda no Sertão de Alagoas, e só depois decidiu tentar a vida no Sudeste. No primeiro ano ele argumentava que não vinha da Paraíba, mas de nada adiantava e o apelido colou feito argamassa. Em casa, com o pequeno Adrianinho, o menino vibrava porque o pai construía o maior estádio do mundo.
— Nem tudo é pedra e cal, meu filho. Tem duas coisas mais importantes que a obra — dizia o pedreiro — o suor de quem nela trabalhou e a emoção de quem nela vai viver.
Seu Paraíba seria só orgulho do filho se estivesse vivo. O pai foi fonte de inspiração para a carreira do filho, de engenheiro a empresário, e o ramo escolhido se deu por aquele ensinamento. Adriano hoje tem no cheiro do cimento a memória afetiva e constrói moradias populares, com lucro abaixo da média de mercado, pensando na felicidade de quem vai morar nos prédios que ele ajuda a levantar.
Mas além dos prédios, o que ele gosta mesmo é de visitar estádios. E por isso, sempre que pode, viaja para conhecer um novo. Seu ritual pessoal a cada vez que chega em um templo sagrado do futebol é tocar o chão da entrada e reverenciar o suor derramado por cada trabalhador que ali entregou um pouco de sua força vital para que os jogos acontecessem.
Sentado no escritório, a dois meses da Copa do Mundo do Catar, Adriano se depara com a notícia no jornal de que a procura por pacotes de viagens para o mundial está baixa porque os preços das passagens são altos demais. Dois sócios concordam, afinal o Catar não é para qualquer um. Um país pequeno, porém entre os mais ricos do mundo. Lugar onde a riqueza é valorizada e reproduzida.
— Uma cerveja por setenta reais! — diz um deles, e provoca:
— Por que tu num vai, Adriano, conhecer lá os estádios novinhos, construídos pra Copa? Tu num gosta de ir a estádio novo? Dinheiro não é problema…
— Realmente, o problema não é dinheiro. São os mais de 6.500 trabalhadores que morreram na construção desses estádios. Uma competição erguida à base de suor e sangue dá pra mim não.