por Felipe Gesteira*
A dois dias das eleições presidenciais, o país inteiro não fala em outra coisa a não ser política. Rondinele, por sua vez, até se importa com quem será escolhido presidente da República e como isso afetará sua vida, mas o que tem mesmo tirado o sono do porteiro de um grande condomínio residencial acontece um dia antes da eleição: a final da Libertadores da América.
Flamenguista “desde quando ainda estava na barriga da mãe”, como costuma dizer, Rondinele perdeu completamente o sossego quando precisou assimilar que a final seria em jogo único e campo neutro. Ele gosta da tradição das duas partidas, da soma de resultados, da expectativa que se cria para a finalíssima, em casa ou na casa do adversário, e ainda todas as teorias probabilísticas criadas sem fundamento científico algum somente para comprovar qualquer tese que seja favorável ao torcedor, de manutenção de resultado conquistado na primeira partida a improvável virada.
Na política, um elemento que tem apimentado a acirrada disputa entre os dois candidatos à Presidência são as pesquisas eleitorais. Se por um lado quem está à frente comemora, por outro, o candidato em desfavor questiona a efetividade desse tipo de consulta aos eleitores. Apesar de contestadas, as pesquisas seguem método científico. Respeitando uma metodologia confiável, refletem o retrato do dia em que os eleitores são entrevistados, podendo ou não sofrer mudança até mesmo por influência da divulgação do resultado. Diante de tantos números, algo que despertou a atenção de Rondinele foi a fala de um especialista em marketing político na TV, em entrevista, a respeito da perspectiva de vitória de quem aparece na dianteira das intenções de votos.
Rondinele estava decidido a só pensar em política após a final da Libertadores, oxalá com título do Mengão. Mas aquela informação sobre pesquisa e vitória não saía da cabeça do porteiro. Sem qualquer base científica, teve a ideia de fazer sua própria pesquisa, na portaria do condomínio, para saber o clima do jogo e, com base nas respostas, se tranquilizar a respeito de quem seria o grande campeão no sábado.
Rondinele não queria nem saber se aquilo tinha alguma precisão. E assim começou o “Data Mengonele”.
— Seu Francisco, e amanhã, vai dar Flamengo? — perguntou.
— Sei não, acho que o técnico do Furacão vai complicar a vida do Mengão — respondeu o primeiro entrevistado, um senhor botafoguense amargurado pelo histórico recente de conquistas do Rubro-negro.
Mas logo a primeira entrevista ser negativa caiu como um balde de água fria para Rondinele. Ele não desistiu, seguiu perguntando a qualquer um que adentrasse a portaria, fosse morador, trabalhador, visitante e até entregador de aplicativo.
Na véspera da partida, após cerca de 380 entrevistas, o instituto Data Mengonele apontava para ligeira vantagem do Flamengo. Se pesquisa de opinião tivesse alguma influência sobre resultado de partida de futebol, a Seleção Brasileira de 1982 teria sido campeã invicta e entrado para a história de forma incontestável como o melhor time de futebol de todos os tempos. Independente de qual seria o resultado no dia seguinte, Rondinele conseguiu se ocupar para além do trabalho e teve como recompensa a esperança, mesmo com base em dados frágeis, porém palpável o suficiente para lhe garantir a noite de sono na véspera da partida.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 28 de outubro de 2022.