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Precedentes abertos

publicado: 01/12/2015 10h57, última modificação: 01/12/2015 10h57
Texto publicado na coluna da página 18, na edição de 01.12.2015

 

Na semana passada, um senador da República foi preso pela Polícia Federal acusado de obstruir as investigações da Operação Lava Jato. Delcídio Amaral, líder do PT no Senado, entrou para a história. Fato assim não acontecia desde a redemocratização do país. Não foi só a prisão do petista que entrou para a história, o desenrolar dos fatos ao longo do dia podem ter aberto novos precedentes na justiça brasileira em relação ao poder Legislativo.

O clássico da literatura As Aventuras de Pinóquio traz uma passagem em que o famoso boneco grita por socorro só para testar se seu salvador viria prontamente, e se desculpa, dizendo que estava apenas testando a prontidão. Após repetidos várias vezes os falsos pedidos de ajuda, eis que Pinóquio entra em apuros. De verdade! Sua vida corre risco, mas o socorro demora, só porque perdeu sua credibilidade.

Essa citação não é para falar de mentira. Após a prisão de Delcídio, cabia ao Senado decidir se o parlamentar seria ou não mantido preso. As gravações dele arquitetando um plano de fuga para Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras preso na Operação Lava Jato também vazaram nesse dia. Delcídio estava enrolado até o pescoço e se o Senado manda soltar, a instituição seria jogada contra a opinião pública.

E por que existe essa prerrogativa de soltar um parlamentar preso? Para garantir a liberdade do Legislativo em caso de perseguição do Executivo por um governo autoritário. Antes da votação foi levantada a questão se o voto seria ou não aberto. Nesses casos, o regimento da Casa previa voto secreto. Os senadores pediam voto aberto por uma questão de transparência, houve pressão. E por que secreto? Mesmo motivo. Um regime ditatorial - ou quase, como defendem os seguidores de Bolsonaro - poderia perseguir os parlamentares a partir de seus votos, por isso o voto secreto.

A modernidade clama por transparência. O povo queria saber as decisões de seus parlamentares eleitos. A imprensa, as redes sociais, urgiam pelo bendito voto aberto. Não quer dizer que daí viria necessariamente algo bom. Em defesa do regimento estavam o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente da República, Fernando Collor (PTB-AL). Discursos lúcidos, firmes, mas sabe a história do Pinóquio? Pois bem, não digo que são mentirosos, mas perderam sua credibilidade como defensores da forma moderna de se pensar a política.

O que os dois defendiam era a prerrogativa. Primeiro, do voto secreto, para que no futuro um louco não tome as rédeas do país e tente afrontar o Legislativo com açoites à democracia, justamente pelo precedente do voto aberto nesses casos; dois, o relaxamento da prisão do senador exatamente pelo mesmo motivo: liberdade na representatividade, proteção e independência dos poderes.

E se Delcídio fosse solto naquele dia, seria mais um caso de falha na justiça brasileira? De forma nenhuma. Ele já havia sido preso, seus planos de fuga, acordos, tentavivas de suborno, conluios, tudo quanto é safadeza já estava às claras. Aguardaria em liberdade o processo de cassação para depois ser preso novamente. É importante não confundir relaxamento de prisão com liberdade plena. Delcídio seria solto, não inocentado. Com os novos precedentes, a sociedade ganhou mais transparência, mas pode chorar no futuro sob possível perseguição.

 

Mais Lula, menos Aécio

A capa da Folha de S.Paulo da última sexta-feira, 27, trazia a posição de Delcídio Amaral como manchete e uma curiosa foto de Lula, acima, sem ligação alguma. Forçam, dão um jeito, empurram o ex-presidente como podem para associá-lo aos casos de corrupção no país. Quando José Carlos Bumlai foi preso na Operação Lava Jato, parte da imprensa destacava nas manchetes o termo “preso amigo de Lula”. Petistas reclamam, questionam porque quando os amigos de Aécio são presos este não aparece nos títulos das notícias. Talvez seja perseguição, ou não. Fato é que o neto de Tancredo, que se põe como líder da oposição no país é, para tristeza dos brasileiros, pouco relevante.