Tenho visto – e lido, ouvido – por toda parte no noticiário esportivo brasileiro que o time do Flamengo tem sido previsível. De acordo com alguns colegas da imprensa, setoristas que cobrem o dia a dia de trabalhos no clube carioca, parece que a previsibilidade vem incomodado desde a cúpula rubro-negra, incluindo dirigentes, até a comissão técnica e jogadores. Andam dizendo que os responsáveis por devolver a capacidade de gerar algum fator de surpresa serão os mesmos que colocaram o time nesta situação, leia-se: Tite e companhia. Acho difícil, principalmente porque este não é o maior dos problemas.
Sobre a previsibilidade do Flamengo, recorro aqui a duas falas do ex-treinador e hoje dirigente do São Paulo, Muricy Ramalho. A primeira aconteceu no ano de 2008, numa entrevista coletiva pós-jogo, Muricy foi questionado se não estava preocupado que seu time se tornasse previsível e queria mudar a forma de jogar. O São Paulo estava prestes a conquistar o título de campeão brasileiro pela terceira vez consecutiva, e o técnico, na sua forma bastante despachada de falar, disse: “Mudar pra quê? A gente joga do mesmo jeito faz três anos e eles [os adversários] continuam perdendo”. A segunda aconteceu mais recentemente, num desses programas em formato de podcast onde os convidados vão pra jogar conversa fora. Num bate-papo de boleiros, Muricy disse que dois times no Brasil não poderiam jamais admitir técnicos retranqueiros por conta de suas torcidas: Flamengo e Santos.
Só não previu a atual situação do Flamengo quem não quis. Tite pode ter lá seus méritos como treinador, mas é retranqueiro e não é de hoje. Tanto que no Corinthians, quando fez história e despontou como um treinador de primeira linha entre os brasileiros, era tão retranqueiro que fora apelidado pela torcida de “empaTite”, pois fazia o time jogar por empates.
Sabendo então do perfil do treinador e conhecendo o elenco do Flamengo, a culpa não é de Tite, mas de quem mandou trazê-lo para comandar o Rubro-Negro. A torcida quer o time jogando pra frente, o elenco é ofensivo, e aí os dirigentes acharam uma boa ideia contratar um treinador retranqueiro. Demitir tão cedo é assumir a culpa pelo erro na escolha, no entanto, se algo não for feito com urgência, o Flamengo corre o risco de deixar a Libertadores ainda na fase de grupos, o que, para aquele elenco cheio de estrelas, seria um vexame dos grandes.
O caso de Tite como um peixe fora d’água no Flamengo me lembra outro recente que escancarou a falta de planejamento dos gestores na hora de contratar um técnico. O Club Athletico Paranaense anunciou com muita pompa no início do ano o treinador colombiano Juan Carlos Osorio para comandar o time. Osorio nem teve um desempenho tão ruim, mas só durou 12 partidas. Como principal motivo para demissão foi alegado o rodízio de jogadores promovido por ele, que não repetia escalações. O mais surpreendente é que este rodízio é justamente uma das características que Osorio carrega como marca ao longo de sua carreira. Quem contratou o treinador sequer sabia como era seu estilo de trabalho.
Voltando a Tite, é uma pena que o Flamengo esteja jogando de forma previsível, mas o pior é a previsibilidade ser inofensiva. Quando o holandês Arjen Robben jogava pelo Bayern de Munique, todo mundo sabia que ele iria cortar para a esquerda e chutar pro gol. Mesmo assim, previsível, era mortal. O time do São Paulo sob o comando de Muricy era previsível e difícil de bater. Tite, no Flamengo, era previsível que daria errado. Tomara que errado esteja eu e ele vire o jogo, mas talvez não dê tempo.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 10 de maio de 2024.