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Rainha da praia

publicado: 24/09/2021 08h00, última modificação: 01/10/2021 10h30

por Felipe Gesteira

O Mar do Macaco estava relativamente tranquilo, contrariando todas as previsões do tempo para o fim de semana de disputas na praia preferida dos surfistas paraibanos. Com exceção da caixa de som instalada à beira-mar e do narrador mais empolgado que os próprios competidores, ninguém diria que ali acontecia um torneio envolvendo vários atletas entre diversas categorias. 

Na faixa de areia, bem diante de onde acontecia a competição, famílias faziam piscininha para as crianças pequenas; cachorros passeavam com e sem guia; casais montavam seus guarda-sóis para curtir a quentura gostosa, devidamente abastecidos com o cooler apinhado de cerveja gelada e uns dois pacotes de amendoim salgado só pra forrar a barriga enquanto não passam os vendedores com as mais variadas opções de tira-gostos, desde a ostra cozida no calor do sol até a empada morna, feita no dia anterior.

— Pessoal do surfe freestyle, vamos pegar as ondas mais à direita e deixar essa faixa central para a galera da competição — insistia o narrador, em apelo aos surfistas casuais em número três vezes maior que o de inscritos no torneio. Logo em seguida ele emendava agradecimentos aos dois patrocinadores do evento: a tabacaria do bairro, principal fornecedora de seda, isqueiros, dichavadores, piteiras e tesouras, e o corretor de imóveis ultraconservador que faz questão de pagar para ser famoso e, quem sabe, um dia se tornar político careta travestido de descolado.

Os competidores esperavam ventos fortes e ondas altas já na manhã de sábado. Os corredores aproveitavam a maré abaixo de 0.8 para fugir da calçadinha e correr na areia batida, mesmo que disputando espaço com piscininhas, crianças, cachorros, coolers de cerveja, guarda-sóis e os demais competidores do evento que lutava para acontecer, e apenas acontecia, passando alheio à maioria dos frequentadores da praia e moradores do bairro.

Ao passo que saíam do mar os surfistas do longboard, começava o ritual de desempacotar os paraquedas dos competidores de kitesurf. A praia ficava ainda mais colorida pelo espraiamento de todos os adereços possíveis ao convívio coletivo. Chinelos, chapéus, pranchas, pipas, coleiras, tênis, porta-copos, tubos de protetor solar e garrafas de cerveja indo do âmbar caramelado ao verde tão refrescante quanto reluzente. 

No meio de tudo, uma bola gira no ar.

Não uma bola qualquer. Não era uma bola de futebol profissional, de campo. Tampouco era de futsal, ou dessas comemorativas, de clubes de futebol da Europa. A bola voava, girava com tamanha leveza que só podia ser por conta do pouco vento, ou da habilidade de quem a dominava. Suave feito bola dente-de-leite, mas, não. Também não era bola infantil, nem de futebol de areia, improvisada de vôlei, nada disso. 

Era algo como uma bola ornamental em que cada gomo possuía uma cor diferente, todas elas brilhantes. A bola chamava atenção, desviava os olhares até de quem estava ali para conferir as manobras dos surfistas no mar. Seu condutor fazia questão de dar espetáculo de embaixadinha clássica, com movimentos variados de pés, calcanhares, ombros, joelhos, cabeça e nuca. Uma simbiose, quase como se a bola fosse a extensão do corpo do jogador. Juntos formavam uma revolução prismática a cada rodopio. 

Na manhã de surfe, pranchas e pés na areia, reinou mais uma vez a bola de futebol. 

*Coluna publicada originalmente em 24 de setembro de 2021.