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Refestelados FC

publicado: 10/06/2022 08h00, última modificação: 13/06/2022 09h47

por Felipe Gesteira*


Munguzá salgado é ciência para poucos. Na Paraíba mesmo, somente no Sertão é que se faz com o devido respeito. Não é uma receita qualquer, trata-se de iguaria para se comer rezando duplamente aos céus: pela dádiva de poder alimentar-se dele naquele momento e em prece para que seja possível degustar aquele sabor novamente.

Quem ouve “munguzá” e associa o termo ao caldo doce, esbranquiçado, com seu nome violado até pelo leite condensado, profana o sacrossanto e verdadeiro munguzá que se faz para além de Soledade. O ‘verdadeiro’ não vê nem açúcar. Além do milho, leva bacon, linguiça, paio, costela de porco e carne de charque. Resulta em um caldo grosso, gostoso de fazer salivar só de pensar.

Beto é tão fã de munguzá que come uma cumbuca todos os dias, com o sol nascendo, pra acordar o estômago antes do café da manhã. Adquiriu o hábito com seu pai, Jacinto, e desde os oito anos de idade começa seus dias com uma das mais tradicionais receitas sertanejas. 

Hoje, depois dos 30, o metabolismo de Beto não é mais o mesmo. Ele começou a ganhar peso e todos da família o alertavam para sua dieta. Sim, porque nem só de munguzá vive o homem. Beto gosta de comer de tudo, e tudo em grande quantidade. Toda comida sertaneja ele traça, e se é tudo saudável, não vê mal que isso possa fazer. Só que uma cumbuca cheia de munguzá, duas tapiocas, uma fatia de bolo de milho e outra de baêta, e ainda um prato de cuscuz com bode, tudo isso antes das 7h, pra começar bem o dia, era comida demais para um homem que passaria o dia na repartição, esperando a hora do almoço pra comer seus dois pratos de rubacão e, à noite, fechar o dia com arroz de leite e carne de sol. 

— Se orienta, Beto. Lembra do teu avô que morreu do coração. Vai se cuidar, homem! — implorava a sua esposa, com medo de ficar viúva.

Engraçado que o problema de Beto era o mesmo enfrentado por outros de seus amigos de infância. Toinho, Danilo, Pêta, Nen, Chico de Tibúrcio, Manoel, Jacó, Cecílio, Luizinho e Breno, todos no mesmo barco da comilança, ganho de peso e preocupação para as famílias.

Reunidos no fim de semana para comer um cozido, o assunto era como iniciar uma rotina de exercícios físicos sem deixar de comer. Tinha que ser assim, “na tóra”, como diziam, pra não precisar de dieta. Procuraram o sobrinho de Pêta, que acabara de se formar em Educação Física. O jovem preparou uma planilha de treinos para cada um deles, mas a empreitada na academia não durou uma semana. Ninguém aguentava aquele ambiente de máquinas, música esquisita, gente fazendo selfie para as redes sociais e homens urrando pra levantar uns pesinhos de nada. 

Os novíssimos barrigudos foram reclamar com o treinador. Queriam sim suar a camisa, mas de uma forma que pudessem se divertir. Carlos, o sobrinho de Pêta, lembrou que quando adolescentes, esse mesmo grupo do qual seu tio fazia parte costumava jogar bola nos poeirões de Patos. Decidiu propor um treinamento profissional. Montaria com o tio e os amigos uma equipe que, se não fosse vencedora, garantiria a meta deles, de comer com diversão. 

Resolveram montar um time de futebol para disputar as competições amadoras do Alto Sertão.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de junho de 2022.