por Felipe Gesteira*
Foram quinze dias de treinamentos intensos para que o elenco entrasse em campo pela primeira vez. A meta de perder peso jogando bola ainda não havia sido alcançada. Também, pudera, pois a cada encontro para a prática de exercícios, o cardápio do pós-treino ficava mais incrementado. À medida que eles se habituavam com a rotina, a fome parecia aumentar. Comiam baião de dois, sarapatel, picado de bode, mocotó, canjica e doce de leite assim, na diária.
Se a forma física custava a chegar, a familiaridade com a bola já estava lá de volta. Era talento demais adormecido naqueles homens que se entregaram ao corre-corre da vida de trabalho e família e abdicaram, até então, da paixão pela pelota.
Ao vê-los nos treinos, Carlos, preparador físico e agora também técnico do time, ia do céu ao inferno, pois ao mesmo tempo em que enchia os olhos ao ver passes maravilhosos e finalizações com bola de fazer muito boleiro de time profissional sentar para aprender como se faz de verdade, ele sentia seu trabalho com a parte física ir por água abaixo sempre que terminavam os encontros, com toda aquela comilança e bebedeira.
— Assim não tem a menor condição, tio! — dizia, quase indignado, argumentando que eles não iriam a lugar nenhum daquele jeito.
Pêta, por outro lado, retrucava que a ideia não era ganhar coisa nenhuma mesmo, mas se divertir. Na tentativa de conter o aborrecimento do sobrinho e evitar a sensação de esforço em vão, o mote da conversa entre os dois passou a ser “nem eu, nem você”. O cerne da disputa eram os lanches dos intervalos, pois a comida do pós-jogo era tema intocável entre os demais integrantes do recém batizado Refestelados Futebol Clube, nome dado pelo próprio Carlos em forma de protesto, mas que foi aceito por todos como um elogio.
Quando Pêta propunha uma panela de rabada no intervalo da partida, Carlos rebatia com frutas secas, e aí entrava o “nem eu, nem você”, até o lanche chegar a uma cumbuca de torresmo para cada jogador.
A estreia do time foi num jogo-treino contra o Esporte de Patos. Os jogadores do time tradicional do Sertão entraram de salto alto, sem vontade também porque queriam derrubar o técnico. Mas chamou atenção a parada para o intervalo, quando os atletas do Refestelados sentaram no gramado e traçaram galetos com farofa com a naturalidade de quem come sem talheres, só para forrar e repor a energia. Enquanto os profissionais voltaram estarrecidos para o segundo tempo, a equipe de Beto, Pêta e companhia marcava gols e limpava a gordura das barbas. Foi 3 a 0 com folga.
Depois desse jogo o time virou sensação. Eram convidados por equipes de toda a Paraíba para jogos que além de treinos, pareciam espetáculos. Independentemente do resultado, o time da casa oferecia uma grande refeição ao final, com a participação de dirigentes e torcedores. O combo feijoada, samba e cerveja era o mínimo.
Ficaram famosos pela barriga, mas a bola não ficava para trás. Jogavam de bucho cheio e jogavam muito. A fama colocou o time em outro patamar, até que por um problema de gestão, o Nacional de Patos se viu sem elenco para disputar a Segundona do Paraibano. Fizeram contato com Beto para contratar o time de porteira fechada. Eles pensaram “por que não?”. Nem pra onde cair tinha, já que era a divisão de acesso.
Vestiram a camisa e estrearam contra o Paraíba de Cajazeiras, que assim como o Esporte, em outro momento, também calçou o salto alto. Parecia um roteiro repetido, com empate em 0 a 0 na primeira etapa. Eles sabiam que a volta do intervalo era o momento do triunfo, e contavam com a panelada de asinhas de frango que estavam reservadas para aquela partida.
Foi grande a decepção quando descobriram que o nutricionista do clube profissional vetou a brincadeira e trocou o lanche pesado por barrinhas de cereal. Beto jura que os oito gols sofridos no segundo tempo não foram por vingança, era só a fome que os impedia de correr.