O primeiro doping do adulto funcional é tomar café para manter-se acordado. Procurar um café como estimulante é absolutamente diferente de beber café pelo prazer no sabor. E mesmo para quem busca a bebida pelo sabor, pelo hábito da pausa, pelo afeto em torno do café, há ali um efeito químico no cérebro causado pela cafeína que vai além daquele promovido só pelo ritual de beber café.
Não há mal nenhum em tomar café como estimulante. Da mesma forma como o café funciona para uns, o cigarro cumpre essa função de estimular e relaxar para outros. Mesmo quem não fuma já deve ter recebido de um amigo fumante o convite para ir ali “fumar um cigarro”. Esse “fumar” não é apenas o trago, mas também a pausa, a quebra de ritmo necessária para que o cérebro relaxe por poucos minutos, somente uns cinco ou dez, o suficiente para voltar à carga total de capacidade criativa.
Cigarro e café são só dois exemplos de estimulantes inseridos no cotidiano. Tem quem tome só uma latinha de cerveja para dormir melhor, uma taça de vinho no almoço, um cálice de vinho do porto para abrir o apetite, uma lapadinha de cana, um ‘digestivo’ após a refeição. A lista de estimulantes e relaxantes é grande, antes mesmo de adentrar nos fármacos. Diante da dificuldade para dormir há quem em vez de álcool opte por cannabis, assim como quem prefira zolpidem.
O uso de estimulantes tornou-se algo rotineiro na vida do cidadão comum, mas é algo que sempre aconteceu nos esportes. Paralelamente existe uma trabalho de controle para que atletas de alto rendimento não usem substâncias proibidas. Apesar da incessante campanha antidoping, mais parece que a testagem é feita de forma amostral, pegando um ou outro atleta e punindo com peso além da justa medida.
A proposta nesta discussão não é defender a queda de toda a política antidoping nos esportes, mas eliminar o meio-termo. Não são poucos os atletas de ponta que fazem uso de substâncias proibidas. Por que não são pegos? Vamos trazer apenas dois dos motivos: ciclos e testagem amostral. O primeiro diz respeito ao momento do doping. São muitos os atletas que treinam sob efeito de doping e suspendem o uso de substâncias proibidas meses antes da competição para que não sejam pegos. Apesar de estarem limpos durante a disputa, o caminho foi percorrido de forma escusa. No segundo motivo, somente alguns atletas são testados e pegos no exame antidoping.
A saída é liberar geral? Não necessariamente. Mas se existe um compromisso em acabar com o doping nos esportes, que se faça a coisa certa, custe o que custar. Como acontece hoje, muitos atletas conseguem se esquivar do sistema e uns ou outros são pegos por descuido, tendo suas carreiras encerradas para servirem como bode expiatório de uma falsa rigidez. Assim é deveras injusto. Resolveria testando amplamente e durante os períodos de treinamentos.
Saindo do universo dos competidores, vejo atletas amadores empolgadíssimos com doping. Desde aquele que toma só creatina, passando pela turma do whey protein, até os usuários de terapias hormonais. Fazem de tudo em troca de resultados mais rápidos na academia.
Essa história toda só me fez lembrar de uma conversa numa roda de jornalistas homens, todos por volta dos 40 e poucos anos, falavam sobre usar ou não remédios estimulantes. Enquanto ouvia a conversa, um deles, que já foi meu chefe, hoje é amigo e tenho como professor no jornalismo, saiu com a pérola: “Deixa o cara tomar o comprimido, carro com aditivo num roda na rua do mesmo jeito? O importante é funcionar!”
*Coluna publicada originalmente na edição impressa do dia 17 de maio de 2024.