por Felipe Gesteira*
Luisito era um santo. Comia tudo o que colocavam no seu prato sem reclamar. Folhas e vegetais faziam parte da rotina, e nada de cara feia. Obediente até o talo, brincava só pelo tempo que lhe fosse determinado. Dormia e tomava banho quando lhe mandavam, e se a mãe precisasse levá-lo ao trabalho por não ter com quem deixá-lo, ficava lá no escritório, quieto, no máximo desenhando, sem fazer muito barulho. “Esse menino é um santo”, diziam os colegas de repartição, enquanto a mãe disfarçava, pois ela sabia que parte de sua quietude era uma reza que não cessava nunca. O que nem a genitora desconfiava era a capacidade do menino de apenas 10 anos em realizar milagre.
A saga religiosa de Luisito começou quando seu ídolo e xará, Luis Suárez, assinou contrato com o Nacional, time de coração do menino. Da periferia de Montevidéu, o pequeno Luisito suava frio. Acompanhava ofegante a notícia, já imaginando como seriam os anos vindouros de glórias e títulos pelo mesmo clube que revelara o craque. Paralisado diante da TV enquanto a novidade era apresentada pelo também eufórico repórter, Luisito foi arrebatado por uma vontade quase incontrolável de urinar. Ele não queria perder nem um segundo de informação, considerou que dava para segurar até que percebeu o xixi se esvaindo por suas pernas. Ao olhar para a direção do banheiro, não tinha forças para correr, e todo o xixi desceu até que fosse suficiente para alagar a sala inteira, entrar pela televisão e molhar o apresentador do telejornal.
Luisito acordou, sua cama estava encharcada. No noticiário da vida real, Suárez continuava na Espanha. Trocava o Barcelona pelo Atlético de Madrid.
Aquele sonho para o então menino de 8 anos de idade não era delírio, mas premonição. Luisito acreditou que lhe fora concedida a graça da revelação, e desde o primeiro banho que tomou para se livrar de toda a urina que impregnava suas pernas, começou a rezar. Somente sua mãe sabia o motivo das preces no primeiro momento, mas aos poucos aquilo foi se espalhando até que virasse uma chacota generalizada.
— Suárez no Nacional? Se vier, pode mandar o menino pro Vaticano porque merece virar santo em vida! — dizia um vizinho mais descrente.
Enquanto os outros zombavam, Luisito rezava. Ao perceber que sua súplica aos céus estava sendo em vão, o menino não desistia, pelo contrário, passou a dedicar a vida somente a rezar. Dobrou a intensidade, aumentou o número de pai-nossos e ave-marias, incluiu a prática do jejum e ainda passou a fazer trabalhos voluntários. Preocupada, a mãe levou o filho ao médico. O doutor pediu reserva, disse que a consulta era muito séria e pediu que a genitora esperasse do lado de fora. Por ignorância, ela cedeu. Sozinho com o menino no consultório, o médico deu-lhe um terço de presente e desejou sorte. — Continue, filho. Se Suárez vier, eu mesmo vou lhe levar ao estádio no dia da conquista da Libertadores!
Foram dois anos de orações. É pouco se comparado ao que fizeram os santos da Igreja Católica. Mas para a torcida do Nacional, o que aquele menino de 8 anos conseguiu estava no patamar de um feito épico. Por mais que a grande mídia do país creditasse a vinda do craque à comoção nacional, imprensa, mobilização do clube, ou até mesmo a interesses pessoais, todos sabiam que Luisito Suárez voltou mesmo em virtude da fé do Santo Luisito.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa 29 de julho de 2022.