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Suar a camisa

publicado: 16/09/2022 00h00, última modificação: 16/09/2022 10h41

por Felipe Gesteira*


Praxedes contou bem direitinho onde estavam seus votos. Após mais de sete mandatos como deputado estadual, ele temia que as redes sociais o colocassem para trás na disputa eleitoral. Estava ciente de que as práticas de outrora não podiam mais ser aplicadas. Comprar voto com dentadura, óculos, pagamento de boletos, tudo isso eram costumes dos quais ele mesmo fazia questão de se livrar. 

O que o bom político não deixava de lado era o assistencialismo. Aquele modo de trabalhar sempre perto do povo, indo de casa em casa, mapeando suas bases eleitorais, prestando um serviço aqui, um favor ali, e de certa forma sempre se pondo acessível a quem quisesse contar com ele. De carona pra capital a vaga em hospital, podia pedir que ele arrumava. Assim, Praxedes conseguia uma longa planilha toda construída com lápis grafite, onde registrava a estimativa de votos por município onde atuava. 

Mais interessante neste período de campanha eleitoral são os convites. Do jeito que o político quer entrar em tudo quanto é buraco só para poder aparecer perto do povo, há também, do outro lado, quem veja aquele parlamentar como presença ‘vip’ em seus eventos. E pra onde chamassem, Praxedes ia. Podia ser velório, batizado, feijoada, rinha de galo. Ele não recusava um convite. 

Faltando duas semanas para as eleições, passando pelo município de Sapé, o deputado foi chamado por um apoiador para participar no fim de semana da famosa pelada de Sobrado, cidade que fica ali pertinho de onde estavam, no caminho para o Cajá. De pronto, ele aceitou. Pensou que poderia angariar mais uns votinhos, o que nessa reta final viria bem a calhar. 

— Deputado, o senhor nem pense em furar, viu? Vai desfalcar o time — alertou o apoiador. 

Praxedes entendeu aquele aviso como uma intimação. Por que será que faziam tanta questão de sua presença se nem bola ele sabia jogar direito? Sob o peso do estresse, da ansiedade pela campanha, começou a pensar besteira. Dali em diante, não dormiu mais. A dois dias da bendita pelada, sonhou que seria escalado como atacante. De início recebeu como uma coisa boa, o lugar de destaque, de frente para o gol. Durante toda a partida, plantado na banheira, a cada bola que passava por perto era um carrinho que tomava. Como o jogo acontecia sem juiz, era terra sem lei. Antes do fim da partida teve que ser retirado de campo nos braços. 

Acordou do sonho assustado, acabrunhado. Chegou a comentar com seu assessor: — Eles vão querer acabar comigo, João. Esse jogo é pra botar pra fora o ódio contra político. Caí numa arapuca — lamentava o deputado. 

Na noite seguinte, pegar no sono foi um tormento. Quando pregou os olhos, se viu novamente naquele campo poeirão onde fora trucidado pelos defensores adversários. Agora, ele estava vestido de goleiro. Bastou visualizar a roupa para acordar sobressaltado daquele pesadelo. Pior do que carrinho é tomar bolada! A iminência da partida tirava seu sono de forma que até a campanha ficou prejudicada. 

Sem cara para faltar ao compromisso, Praxedes chegou no campo logo dizendo que jogava em qualquer posição, só não botassem ele pra ser atacante, nem goleiro. — Meu negócio é no miolo — tapeava. 

— E quem falou em atacante ou goleiro? — falou dando um tapinha nas costas o capitão do time e organizador da pelada. — O senhor vai jogar é na lateral. 

O medo de se machucar logo passou, mas Praxedes nunca havia corrido tanto na vida inteira. Tinha hora que os lançamentos pareciam propositais só pra que pudessem vê-lo com a língua de fora. Ele subia para apoiar e voltava para defender, sob gritos dos companheiros de pelada. 

Ao final da partida, de pernas bambas, porém inteiras, esbaforido e já com os votos assegurados, perguntou ao capitão o porquê de ter sido colocado na lateral. 

— Comprar voto é fácil. Queria ver se o senhor estaria disposto a suar por nós. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 16 de setembro de 2022.