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OPINIÃO

Uma breve ressalva sobre e-sports

publicado: 26/01/2023 12h48, última modificação: 26/01/2023 12h48

por Felipe Gesteira*

Peço licença aos leitores habituais das crônicas esportivas que trago neste espaço para ressalva sobre um assunto político. E por mais que não goste de falar de política nesta coluna, o tema se faz necessário por motivo que vai além da conjuntura. Não traria a polêmica se e-sports são ou não esportes somente por ser um tema que está em alta no momento. O principal motivo é o respeito ao leitor de A União, pois aqui mesmo já tratei da modalidade como esporte e hoje, conforme o jornal é partícipe da construção da história e da memória do nosso cotidiano social, é preciso deixar registrado.

Em dezembro de 2020, na coluna publicada sob o título “Surge uma nova geração de atletas”, tratei de e-sports como esportes. O texto falava mais de mercado e marketing do que discutia se a modalidade integrava ou não o âmbito esportivo. Porém, dava a entender que a opinião do articulista era de que e-sports são sim esportes.

Num primeiro trecho, disse:

“Não à toa, grandes clubes brasileiros estão de olho nessa fatia de mercado e começam a investir na formação de suas ‘jóias’. O principal deles é o Flamengo. Jovens atletas recebem altos salários e têm rotina e disciplina de atletas de ponta da mesma forma que em outros esportes mais tradicionais, onde o clube já detém certa hegemonia, como futebol e basquete. A atenção dada aos e-sports é fruto de um planejamento sério, que visa o futuro do clube no mercado esportivo junto a uma geração que cresce alheia aos canais de televisão e às mídias mais tradicionais.”

Logo adiante o texto é mais enfático, dando a entender que a opinião arremata que e-sports são esportes, sem qualquer margem argumentativa:

“Ocupar espaço nos jogos digitais é também assegurar a força do clube nos demais esportes que estão surgindo. E no modelo em que os e-sports se apresentam, não há mais nem o que discutir sobre serem considerados ou não esportes. É questão ultrapassada. Já têm atletas, clubes, premiações, espectadores e mídia especializada. Superam a passos largos diversos outros esportes mais tradicionais, ou mais ‘vendidos’ pela TV aberta. Somente em 2019, as receitas globais nos principais e-sports somaram US$ 1,1 bilhão, juntando vendas de publicidade, patrocínios e mídia.”

Agora, para que fique claro o que acho, e-sports não são esportes. E antes que me julguem como um antiquado que não curte videogame, digo apenas que jogo sim, há algum tempo e com certa frequência, sem precisar listar currículo de jogos zerados ou rankings nos mesmos e-sports que eventualmente tenha participado.

Vejo a situação sob dois aspectos distintos. Um é o do produto de marketing vendido como esporte, e nele cabem clubes, atletas, competições, liga profissional, patrocínio e tudo o mais. Não é da conta de ninguém se um esporte minimamente controverso é vendido como esporte quanto tem quem pague e quem consuma por ele. Ou vamos dizer que UFC é esporte só pelo caráter competitivo quando na verdade se trata de um evento absolutamente privado e sem regras claras para acesso?

No caso dos jogos eletrônicos a situação é ainda mais complexa. Ao dizer que e-sports podem ser classificados como esportes de modo geral e estas competições passam a disputar nos âmbitos esportivos da educação e do fomento público, estamos caminhando enquanto sociedade para um desserviço a uma nova geração, desestimulando todos os benefícios que a atividade física pode trazer para crianças e jovens.

Diante do orçamento público, e-sports se comportam como camaleões, mudando seu aspecto à forma como podem encontrar isenções fiscais. Já foram tecnologia, entretenimento, cultura, e agora querem ser esporte.

Quando se financia e-sports com verba do Esporte, além de enfraquecer outros esportes, se induz no senso comum entre as novas gerações que as atividades estão no mesmo patamar, quando na verdade acontece exatamente o contrário. O grande desafio dos pais da atualidade é afastar crianças das telas e incentivá-las para a atividade física. Qual o ganho cardiorrespiratório que meia hora de prática de games dá por dia? Por mais que games tenham benefícios lúdicos, promovam de certa forma interações e, alguns deles, sejam verdadeiras obras de arte, eles não podem ocupar o espaço do esporte, pois em vez de trazerem benefícios decorrentes do movimento do corpo, induzem na verdade ao sedentarismo.

Fomento ao esporte não existe apenas para descobrir atletas de ponta, estes são exceção. Investir em esportes é fundamental para uma consciência corporal mais ampla e também para formar gerações de adultos mais saudáveis. Sim, esporte sempre está relacionado à saúde. Não é justo que a sociedade inteira pague pelo financiamento de uma atividade que pode em certa medida afastar as crianças da atividade física. Defendo a existência dos e-sports, mas jamais com financiamento público ou como prática escolar no mesmo âmbito dos esportes.

 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de janeiro de 2023.