Fazia parte da minha rotina acampar na escuridão profunda onde nossa única companhia era uma lanterna de pilhas. Em nossa barraca improvisada, os lanches para o desjejum e as garrafinhas de água eram essenciais para que a aventura fosse igualmente bem-sucedida e aterrorizante. Éramos aproximadamente 10 crianças, sem supervisão de adultos. Na falta de marshmallows, comíamos pipoca, biscoitos recheados e salgadinhos de queijo. Muitas memórias das noites de acampamento são memoráveis, mas talvez a mais inesquecível de todas seja a de Felipe, um primo pouco mais velho do que eu, com lanterna posicionada embaixo do queixo de forma que iluminasse até as sobrancelhas, correndo atrás de nós, os mais novos, e gritando: "Freddy Krueger!". Era de assustar até as próximas gerações dos caçulas. Eventualmente, derrubávamos as cadeiras, almofadas e os lençóis que formavam as barracas, alguma criança batia a cabeça numa quina e as luzes da sala se acendiam. Era mais uma noite de filmes de terror.
Éramos 11 primos que moravam no mesmo prédio, dois vizinhos-primos e ainda três primos que moravam no mesmo bairro. Se você não consegue dar conta dessa soma, imagina os adultos que tinham que dar conta de nós?
Me lembro com clareza de assistir a filmes de terror desde que era muito mais nova do que talvez recomende a pedagogia hoje em dia. Ainda sinto a aceleração no peito e a sensação da adrenalina que era ver filmes por entre os dedos das mãos. Lá no final dos anos 1990, eu estava preocupada em cuidar das minhas Fofoletes e Tamagotchis quando minha irmã me assustava com uma boneca 'Amiguinha' de 1m de altura logo após assistirmos 'A Noiva de Chucky' (1998). Ao contrário de me deixar traumas, a cada ano eu amava mais a sensação que esses filmes e sustos subsequentes me causavam.
De todos os "slashers" e suspenses demoníacos que foram pescados da locadora do bairro, senti um enorme pavor e não consegui assistir 'A Bruxa de Blair' (1999). Apesar dos comentários das crianças mais velhas divididos entre "chato demais! Não acontece nada!" e "Muito, muito, muito assustador!", algo me falara que aquele era um território que não devia ser explorado. Ou isso ou a vontade de fazer xixi nas calças quando ouvia os barulhos vindos da TV da sala.
Décadas se passaram e ainda não havia assistido ao filme, não pelo medo, mas pela impressão errônea de ser uma obra provavelmente superestimada. Mas uma sexta-feira 13 em pleno 2021 me pareceu uma data apropriada. Sabe quando você agradece por não ter assistido algo antes porque sabe que não teria absorvido a obra? Foi o que senti. Não consegui desgrudar os olhos da tela, confusa com a linha tênue entre realidade e ficção propostos por 'A Bruxa de Blair'.
Isto porque o longa, que atualmente estrela o catálogo Amazon Prime Video, surgiu de um experimento fílmico bolado em 1997 pelos cineastas Eduardo Sanchez e Daniel Myrick. Eles distribuíram cartazes misteriosos pela universidade atrás de atores iniciantes para estrelar um filme nada fácil de ser feito, que os colocaria em situações extremas de medo e desconforto. Com apenas algumas linhas gerais do que filmariam a seguir (ou seja, um longa de terror onde três estudantes de cinema partiam para documentar uma suposta bruxa que aterroriza um bosque na cidade de Burkittsville) os atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. entraram numa floresta e, por alguns dias, empunharam câmeras, improvisaram diálogos e viveram na pele todos os sustos e horrores que seus personagens documentavam.
Não acompanhei a inventiva e inédita campanha de marketing viral feita na época do lançamento do longa, mas pesquisando agora, mais de 20 anos depois, foi impossível não compreender todo o "hype" criado antes, durante e depois do filme. 'A Bruxa de Blair' fez escola tanto no uso da Internet para divulgação cross-mídia de lançamentos de filmes, quanto no gênero "found footage" (ou literalmente "filmagens encontradas"). A franquia 'Atividade Paranormal' é um exemplo bem famoso do estilo.
Fato: títulos não se tornam clássicos à toa. Ainda que, no seu gosto pessoal, alguma delas não te apeteça, obras alcançam este status porque tiveram um grande impacto em algum aspecto por eles proposto. 'A Bruxa de Blair' mostrou há 22 anos que era possível fazer muito com pouco. Mas ali foi fichinha. Queria ver os atores encarando as histórias de terror que eram contadas ali, debaixo de uma barraca improvisada na sala de casa.
Aqui estou eu, mais uma vez indicando um velho novo filme. Mas, oh, se você já assistiu, aposto que revisitar o longa pode trazer uma experiência bem diferente do que a primeira vez. Se já pudéssemos nos encontrar, esse seria o momento em que eu diria: me chama que eu vou!
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 25 de agosto de 2021.