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#109 Nova temporada de 'Sex Education' dá aula de comédia e diversidade

publicado: 22/09/2021 08h00, última modificação: 21/09/2021 11h44
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tags: sex education , netflix , gi ismael , gi com tônica

por Gi Ismael


Não me lembro de ter estudado muita coisa sobre sexo na escola para além da função reprodutiva humana, doenças sexualmente transmissíveis e formas de proteção. Ou seja: o café com leite, o arroz com feijão, o papai e mamãe. O básico do básico que mostrava dois caminhos possíveis para o sexo: cuidado! Sexo feito de certa forma ou vai te dar doença ou vai fazer você ter um filho. Os tópicos apareciam pontualmente em aulas de biologia ministradas por professores homens. Não estudei sobre identidade de gênero, sobre o colorido leque da sexualidade e muito menos sobre as nuances do prazer feminino. Tanta coisa teria sido mais fácil e divertida se tivéssemos tido aulas de educação sexual… E se houvesse um(a) sexólogo(a) no campus para ajudar a sanar as dúvidas de adolescentes cheios de hormônios e desinformação?

Essa é a premissa de ‘Sex Education’, estrondosa série original Netflix lançada em 2019. Otis Milburn (Asa Butterfield) é um inseguro garoto de 16 anos de idade que se depara com o afloramento sexual de todos os seus colegas num piscar de olhos. Ele, filho da sexóloga Jean Milburn (Gillian Anderson), é extremamente frustrado por não conseguir se masturbar ou ter qualquer tipo de relação com uma garota. Seu melhor amigo é Eric Effiong (Ncuti Gatwa), um menino gay que também começa a explorar a sexualidade enquanto lida com sua família tradicionalmente nigeriana. Também no ciclo de personagens principais está Maeve (Emma Mackey), uma garota que tem fama de promíscua e que vem de família problemática e que abre na escola,  junto com Otis, uma espécie de "clínica” de terapia e conselhos sexuais clandestina. Enquanto a primeira temporada nos contextualiza de seus personagens principais e secundários, a segunda e a terceira maneiram na quantidade de novos personagens para poder se aprofundar mais nos rostinhos já conhecidos do público.

Claro que quando a gente elogia uma série, os créditos não vão para a entidade “Sex Education”, por isso é legal destrinchar a equipe que conseguiu fazer uma produção consistentemente melhor. Ela foi criada por Laurie Nunn, também diretora e roteirista responsável por mais da metade dos episódios lançados. Com apenas 36 anos de idade, Nunn havia escrito e dirigido três curtas-metragens e uma peça teatral, mas S.E. foi a que emplacou de vez. Quase todos os episódios da série, exceto um, diga-se de passagem, são escritos por mulheres de diferentes idades e raças; Mawaan Rizwan, o único homem a assinar sozinho um episódio da série, é um jovem ator, diretor e escritor paquistanês radicado na Inglaterra ativista dos direitos LGBTQIA+. ‘Sex Education’ é uma prova de que diversidade por trás das câmeras abrange as narrativas e permite perspectivas e histórias fora da curva. 

Talvez uma das melhores características da série, além de seus roteiros, elencos, direção de arte e direção maravilhosos (somente?), é o fato de ela ser, de fato, educativa. E é fato: sempre há o que se aprender sobre sexualidade, independente de sua idade. Por isso, ‘Sex Education’ é uma produção que agrada a um vasto público mundialmente. Sem cenas de sexo “gratuitas”, cada momento cômico ou não na série tem um propósito mais amplo. Assédio sexual, fetiches, identidade de gênero, tamanho do pênis, formato da vagina e até alergia a lubrificantes são abordados sempre de forma leve e não panfletária. 

A sexualidade deveria ser assim em nosso cotidiano: naturalizada. Um lugar seguro para tirar dúvidas, para compreender realmente como as coisas funcionam (e podem ou não funcionar) para além dos vídeos pornôs. Crianças devem entender a autonomia de seus corpos e quando algum comportamento não é apropriado. Adolescentes e adultos devem aprender sobre respeito e consentimento. Você enxerga uma escola como Moordale Secondary School no Brasil de 2021? Difícil imaginar. Com as fake news correndo soltas acerca de “mamadeiras de piroca”, “kit gay” e tudo o mais, ter um espaço seguro para adolescentes entenderem sobre algo tão comum a todos nós parece inalcançável. Na verdade, é possível imaginar aqui a Moordale da terceira temporada, aquela escola cinza e insípida sob o comando de Hope (Jemima Kirke), a nova diretora do pedaço que prega por abstinência e métodos “educativos” punitivistas e humilhantes. É isso que a série combate – e é por isso que faz tanto sucesso no Brasil.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 22 de setembro de 2021.