por Gi Ismael*
A virada do milênio foi marcante para a geração nascida nos anos 1980 e 1990. O Y2K, como é carinhosamente chamada a primeira década dos anos 2000, trouxe o começo da vida digital para perto de nós assim como escolhas de moda completamente duvidosas (saudades de calças cinturas baixíssimas, sobrancelhas finas e muito gel nos cabelos espetados? Jamais); moda esta que hoje é inspiração da geração TikTok, mas que, certamente, não deveria receber tanta atenção assim. Quer outra coisa que mostra os extremos de bom gosto e péssimo gosto do novo século? A música pop.
Em 2001, a MTV estava com toda no Brasil e todas as novidades musicais chegavam cada vez mais depressa por aqui. Incubus lançava o disco Morning View (com a balada ‘Wish You Were Here’) e Los Hermanos começava a encontrar sua identidade com o Bloco do Eu Sozinho. Os duos esquisitos/alternativos do The White Stripes e Daft Punk chegavam em peso nas telinhas com o White Blood Cells e o Discovery, respectivamente, enquanto a inventiva Gorillaz estreava com seu disco homônimo que trazia as memoráveis ‘Clint Eastwood’ e ‘19-2000’. Strokes hipnotizava com o Is This It e Slipknot fazia barulho com o Iowa. Afastando-se cada vez mais do mainstream, Radiohead nos deleitava com o disco Amnesiac, o quinto da banda.
Cito esses álbuns porque, mais cedo ou mais tarde, eles fizeram parte da minha vida e sintetizam um pouco do meu gosto musical. Mas não tem outra: meu coração em 2001 pertencia a System of a Down.
Primeiro de tudo é que Serj Tankian, Daron Malakian, Shavo Odadjian e John Dolmayan (sim, eu precisei da ajuda do Google para escrever todos os nomes) são os culpados pela minha faísca inicial de politização, consciência de problemáticas universais e crises humanitárias. Em segundo lugar, eu me diverti pra cacete ouvindo SOAD. Parte dessa culpa é de Rick Rubin, produtor de toda a discografia do quarteto.
Por ter presenciado a transição da mídia física para digital, até pouco mais da metade da minha vida, eu comprava discos. SOAD foi a primeira banda que completei, com muito orgulho, a discografia. O início dela foi com Toxicity.
A banda armeno-americana de nu-metal chegava com um novo disco e três hits sem dúvidas marcantes para gerações presentes e futuras de roqueirinhos e roqueirinhas (eu inclusa): ‘Toxicity’, ‘Chop Suey!’ e ‘Aerials’. Essas, ouvimos à exaustão. Mas nada mais justo do que aproveitar essas horas de nostalgia para ouvir como se fosse a primeira vez.
Sem o encarte do álbum e o discman apoiado na barriga, apelei para aquela plataforma musical para essa audição mais analítica, algo que não fazia com esse disco desde as primeiras vezes que apertei play, lá nos anos 2000.
Só hoje consigo perceber a riqueza de algumas letras, poemas brutais e o quão certeiras eram as perspectivas de Serj e Daron sobre questões políticas e religiosas (as faixas ‘Deer Dance’ e ‘Forest’ são ótimos exemplos). Outras músicas mais literais, como ‘Prison Song’, mostram uma abordagem muito certeira e infelizmente atual do sistema carcerário. Como num manifesto, Serj canta: “Todas as pesquisas e políticas de drogas bem-sucedidas / mostram que o tratamento deveria aumentar / e as aplicações de leis diminuírem / enquanto anulam as sentenças mínimas obrigatórias / Utilizando drogas para pagar guerras secretas pelo mundo / as drogas agora são sua apólice global / Agora você policia o globo”.
Enquanto temos essa literalidade, outras faixas parecem aleatórias. Pesquisei por significados e interpretações e a graça foi sendo perdida simplesmente porque não haviam respostas certas, apenas especulações de fãs.
No final das coisas, não buscar por sentido em tudo foi o que me fez curtir tanto, durante décadas, System of a Down. Às vezes, o melhor é se libertar da leitura das entrelinhas e aproveitar alguns vazios que a vida traz (sim, música ‘Bounce’, estou falando de você).
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 20 de outubro de 2021.