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#114 Em 'Sombras da Noite', de Stephen King, o terror mora em qualquer lugar

publicado: 27/10/2021 08h00, última modificação: 27/10/2021 09h37
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Sombras da Noite’ é ideal para se iniciar no universo fantástico e horripilante de Stephen King

tags: stephen king , sombras da noite , contos , terror , dia das bruxas

por Gi Ismael*

“Junte todos objetos de uma mesma categoria num canto da casa e comece, a partir daí, a organização”. É o que diz a guru da arrumação Mari Kondo em seus livros e séries feitos para ajudar nós, pobres e desorganizados mortais, a colocar cada coisa em seu devido lugar. Fixei os dizeres na mente quando eu e meu companheiro fomos morar juntos. Não me preocupava a junção das escovas de dentes e muito menos dos dois gatos com os dois cachorros. A tensão vinha quando pensava nos livros. O melhor seria juntar tudo? Dividir por “meu” e “seu”? Separar por cores? Blasfêmia! 

Optamos pelo mais fácil: juntar tudo e preencher a prateleira por ordem alfabética de autores. Chegamos na letra “s” de susto porque, meu Drácula do céu, os livros de Stephen King não pareciam acabar. Um, dois, três, trinta e seis (como na música d’Os Mutantes). Uma prateleira inteira dedicada ao mestre do terror. Ali estávamos, eu e Matheus, diante de uma das nossas únicas correntes opostas: um fanático por Stephen King casado com uma mulher que havia apenas assistido as adaptações para cinema mais famosas.

Não demorou muito até que eu começasse a conhecer mais do escritor norte-americano. O primeiro conto que li (ou engoli?) foi ‘Aluno inteligente’, publicado em  ‘As Quatro Estações’, numa viagem em 2017 (antes tarde do que nunca). Situada na década de 1970, a história apresenta Todd Bowden, um jovem suburbano aficionado pela Segunda Guerra Mundial, e seu vizinho Arthur Denker, um pacato idoso alemão cheio de histórias para contar. Criando um clima progressivamente claustrofóbico, King narra a relação deles e a suspeita crescente de que Denker é um nazista em fuga. O conto foi uma das muitas novelas do autor que ganhou adaptação para o cinema. Deste livro, surgiram duas extremamente bem-sucedidas entre crítica e público: ‘Um Sonho de Liberdade’ (Frank Darabont, 1994), adaptado do conto ‘A Redenção de Shawshank’, e ‘Conta Comigo’ (Rob Reiner, 1986), baseado em ‘O Corpo’. 

Se você ainda não notou, o gancho da coluna é o Dia das Bruxas e, claro, histórias macabras para se degustar neste fim de semana. Porém, por mais que ‘Quatro Estações’ seja um perfeito livro de contos -- ou livro de contos perfeitos --, a obra é mais focada na narrativa dramática e atmosfera de mistérios do que em pavores ou sustos propriamente ditos. Se você, assim como eu, gostaria de explorar o universo fantástico e horripilante de Stephen King, indico que o ritual de iniciação tenha como ponto de partida a coletânea ‘Sombras da Noite’, publicada em 1978.

Este foi o primeiro livro de contos publicado pelo autor, que, poucos anos antes, havia começado sua carreira de escritor publicando ‘Carrie, A Estranha’ (1974), ‘A Hora do Vampiro’ (1975), ‘O Iluminado’ (1977) e ‘Fúria’ (1977). Com a mente borbulhante, King reuniu 19 histórias inéditas em um livro de cerca de 400 páginas no qual experimentamos diferentes ramificações do gênero do terror. É como se um rapaz empurrasse um carrinho de picolé pelo meio da rua, no sol de verão do meio-dia. Ao invés dos geladinhos, estariam páginas avulsas de ‘Sombras da Noite’. Você corre, às pressas, quando escuta o sininho acoplado ao guidom. “Quais sabores você tem?” e ele lhe diria “tenho vampiros, monstros escondidos no armário, mortos-vivos, organizações misteriosas, gângsters sádicos, máquinas de passar roupa assassinas… Vai querer o que?”. 

Li a obra pela primeira vez no ano passado, poucos meses após a pandemia de covid-19 aparecer por aqui. Um dos contos em particular me fez perceber como a escrita de King é atemporal, certeira; ao mesmo tempo apocalíptica e profética. A narrativa em particular é ‘Espuma noturna’, protagonizada por um grupo de jovens que circula por uma cidade litorânea completamente deserta. A extinção da raça humana, revelam ao fim do conto, foi ocasionada pela gripe “A2” vinda anos antes do Sudeste Asiático e que, aos poucos, passou por mutações até chegar em seu estágio máximo, batizado de “A6”. P****, Stephen King! Aí você me lascou.

Aproveitando que citei adaptações, quatro contos do livro tiveram suas versões cinematográficas: ‘Colheita Maldita’ (1984), baseado em ‘As crianças do milharal’; ‘Às vezes eles voltam’ (1991), advindo do conto homônimo; ‘A criatura do cemitério’ (1990), presente no livro como ‘Turno do Cemitério’; e ainda ‘A máquina de passar roupa’, que virou ‘Mangler, o Grito de Terror’ (1995). Para a televisão, a série ‘Pesadelos e Paisagens Noturnas’, apesar de baseada na coletânea homônima de 1992, adaptou o conto ‘Campo de batalha’ para seu episódio de estreia, um divertido e agonizante capítulo de 50 minutos protagonizado por William Hurt. 

Confesso que, justamente por ser leiga no terreno “Stephen King, suas dezenas de livros e outras dezenas de adaptações para cinema, televisão e streaming”, sinto uma confusão mental ao tentar lembrar quais versões cinematográficas para contos publicados em ‘Sombras da Noite’ eu já assisti. Leio os títulos dos contos, folheio algumas páginas e, automaticamente, filmes com personagens, vozes e cenários bem estabelecidos passam por minha cabeça. É imensurável o potencial descritivo dos textos de SK -- não por menos, ele se mantém como best-seller mundialmente há quase meio século. Eu poderia jurar que assisti curtas baseados em ‘O último degrau da escada’ e ‘O ressalto’, por exemplo. Aparentemente, tais versões nunca existiram. 

‘Sombras da Noite’ pode ser encontrado em qualquer livraria e sebos online com facilidade, tanto em versões físicas com capa comum ou capa dura, quanto em e-book. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de outubro de 2021.