por Gi Ismael*
Mais uma para me sentir velha: em agosto, o disco ‘Songs for the Deaf’, do Queens of The Stone Age, completa 20 anos. “Um discaço”. Essa foi a primeira frase que me veio quando pensei sobre. Logo depois, veio aquele efeito borboleta com as memórias afetivas da minha adolescência, o show impecável que fui há alguns anos e… o fato de que o vocalista da banda, Josh Homme, é mais do que um otário, é um agressor. E aí veio a culpa por continuar achando ‘No One Knows’ e ‘Go With The Flow’ duas das melhores músicas da história do rock.
Desde 2018, não sinto nenhuma vontade de acompanhar as novidades de QOTSA nem de voltar a assistir um show ao vivo, por exemplo. A banda se tornou intragável depois que vieram à tona as acusações de que Josh Homme havia chutado o rosto de uma fotógrafa que cobria um de seus shows. Aí ele fez um daqueles pronunciamentos meia-boca colocando a culpa no vício e que “pô, faz um balanço aí de toda minha vida, eu sou um cara legal”. Para surpresa de zero pessoas, isso foi só a ponta do iceberg. No ano passado, surgiram denúncias pesadas de violência doméstica e seus filhos de 5, 10 e 15 anos de idade, crias de Josh com a ex-esposa Brody Dalle, frontwoman da banda The Distillers, entraram com uma ordem de restrição contra o pai. Imagina você ter um pai violento que, mesmo após as denúncias públicas, continua sendo um ídolo, um rockstar (que usa esse “título” como muleta para justificar seus atos injustificáveis)? Nunca foi difícil para mim cancelar a figura de Homme e eu teria feito por muito menos. O que me dói é deixar de ouvir uma banda que eu acho excepcional.
Hoje foi a primeira vez, depois de um bom tempo, que deliberadamente coloquei play num disco de QOTSA e foi justamente para escrever essa coluna. Pesquisei rapidamente o nome do vocalista no Google e, pam: mais uma acusação de abuso e violência doméstica, desta vez por parte de sua filha mais velha. Coitadas dessas crianças.
Agora um pensamento completamente egoísta: me dá raiva pensar que ele, Josh Homme, me tirou o prazer de ouvir uma banda que ele não fez sozinho. Os músicos Troy Van Leeuwen, Michael Shuman, Dean Fertita e Jon Theodore e outros membros que passaram pelo grupo ao longo dos anos não podem ser separados dessa equação – e aí eu me dou conta que mesmo diante de todas essas acusações, eles não pularam do barco portanto são coniventes e até cúmplices de um abusador. Que raiva de novo.
“Cinco milhões de ouvintes mensais” e pelo menos seis shows nas próximas semanas é o que diz o Spotify no perfil da banda. Na maior: de novo um macho fazendo m**** e eu vou me dispor a fazer um malabarismo argumentativo para defender a banda dele? Já deu. Alexa, é isso que a gente chama de limite pessoal? Pois o meu foi alcançado com sucesso.
Se eu estiver em algum lugar e começar a tocar QOTSA no ambiente, provavelmente não vou controlar o sentimento que tenho ao ouvir uma música boa. Mas se houver testemunhas por perto, digo logo que a batida involuntária do pé vai ser na força do ódio.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 26 de janeiro de 2022.