por Gi Ismael*
Há décadas, programas de entrevistas são hits televisivos massivos. Apresentadores como Jô Soares, Marília Gabriela, Tatá Werneck ou Serginho Groisman logo brotam na cabeça quando o assunto é carisma e personalidade. Nos Estados Unidos, país berço dos talk-shows, Jay Leno, David Letterman e Oprah Winfrey marcaram os anos 1990 e 2000 ditando formatos que funcionam mundialmente até hoje. Um dos maiores nomes desta nova geração é Jimmy Fallon, comandante do The Tonight Show desde 2014. O posto de entrevistado convidado é concorridíssimo e sonhado por muitos artistas da cena pop, como se pode imaginar. E ela chegou lá. De Honório Gurgel para o Rockfeller Center, em Nova York, Anitta deu mais um imenso passo em sua carreira internacional.
Antes da entrevista ir ao ar, Anitta já alertava o público brasileiro em suas redes sociais: serei fútil. “No começo da minha carreira no Brasil, em todas entrevistas que participei, trazia o meu lado mais extrovertido, engraçado, o que polemizava mais, o que fazia meme para internet, o que rende. Por quê? Porque eu estava começando e isso trazia visibilidade pra mim. Depois de anos é que eu pude mostrar outros lados meus, que hoje vocês conhecem”, disse em seus stories do Instagram. E eu lembro nitidamente do quanto eu mesma julgava Anitta lá na época do ‘Show das Poderosas’. Sem personalidade, objetificada, música ruim… Eu reproduzi muitos dos comentários misóginos, classistas e babacas em geral da época. Mas será que se tivesse mostrado um lado menos rebolativo, teria conseguido o sucesso que almejou enquanto uma garota pobre, sem contatos, e cria dos bailes funks cariocas?
Essa é uma discussão profunda que pode ser puxada lá de Guy Debord em ‘A Sociedade do Espetáculo’ e uma porrada de autores e autoras marxistas que, há décadas, debatem o ser humano enquanto produto no nosso sistema econômico capitalista. Mas já que Anitta falou em superficialidade enquanto estratégia de marketing, vamos manter o assunto bem rasinho.
Anitta já havia participado anteriormente do Tonight Show quando apresentou ao vivo o single ‘Girl From Rio’, música que sampleia ‘Garota de Ipanema’ para contar sobre uma versão diferente e menos elitista do Rio de Janeiro, uma versão mais “Honório Gurgel”. Agora ocupando o espaço de entrevistada, a artista tirou proveito de cada minuto que teve no programa. Falou que vinha de favela, mostrando assim um background inusitado para os norte-americanos; comentou sobre sua carreira de 12 anos no Brasil e sua ambição de ir além, atestando seu sucesso e sua garra; e não deixou de lado a informação que é diretora de um banco (ela é Diretora e Membro do Conselho de Administração na Nubank) e que, sim, rebola a bunda. Tudo isso foi trazido de forma muito rápida no papo enquanto Anitta preferia explorar seu lado enquanto sujeito (e não objeto) sexual. Jogou que tem um rolo com jogador de futebol americano, falou de sexo, comentou que não chora por garotos, eles que choram por ela (alusão ao novo single ‘Boys Don’t Cry’, cujo clipe ela co-dirigiu) e frisou - bastante - que é namoradeira. De frente a um Jimmy Fallon confuso e até embasbacado com aquela mulher confiante e sem muitos filtros, em sete minutos Anitta fez o suficiente para deixar o público americano querendo mais.
“Na entrevista falei um monte de besteira, falei o que polemiza, o que engaja, o que é engraçado. Eu estou começando. E esse é o tipo de coisa que rende e que faz as pessoas me convidarem de novo e de novo. Com o tempo, óbvio, eu vou conseguir falar do lado mais sério”, comentou ainda em seus stories. E deu certo: portais de notícia gringos já começam a especular seu affair, outros comentam sua caminhada do funk para o poprock (uma tendência no mainstream desde que os anos 1990 e 2000 se tornaram “vintage”. Pois é.) e muitos querem saber mais sobre essa brasileira que chegou lá, naquele disputado território do entretenimento mega capitalista, antes dos 30.
Anitta começou a carreira internacional assim como iniciou aqui: distribuindo CDs nos sinais e batendo de porta em porta nos programas de rádio. Só que agora ela tem vantagem de ter em sua mala mais de 10 anos de erros e acertos no mercado do pop no Brasil e muita, mas muita, perseverança. Seja quais forem seus próximos passos, mais do que nunca, tudo que ela faz e diz será pensado e, quase sempre, dará certo.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 02 de fevereiro de 2022.