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#125 Um outro lado do gênero 'true crime'

publicado: 23/02/2022 08h00, última modificação: 24/02/2022 09h10
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Julia Garner na série ‘Inventando Anna’ - Foto: Foto: David Giesbrecht/Divulgação

tags: true crime , inventing anna , inventando anna , netflix , golpistas

por Gi Ismael*

 

Se você teve a impressão de que muito se falou sobre crimes reais no ano passado, não é mera especulação. Em 2021, tivemos a captura e morte de Lázaro, conhecido por uns como “serial killer do Distrito Federal” e por outros como um matador de aluguel contratado por fazendeiros; o lançamento das séries documentais sobre os casos de Elize Matsunaga, João de Deus e do garoto Evandro; e ainda a estreia dos filmes baseados no assassinatos da família Von Richthofen. Tudo isso parece ter fisgado o público brasileiro nessa crescente ao redor do planeta: o interesse pelo gênero “true crime”.

O Google Trends aponta que as buscas mundiais pelo termo triplicaram entre fevereiro de 2017 e de 2022. No Brasil, o assunto chegou à seu pico de popularidade em outubro de 2021, quando a procura por “Caso Richthofen” aumentou 350%, “filmes de crimes baseados em fatos reais” cresceu 250% e buscas como “Lázaro crimes”, “stalking” e “Ted Bundy” tiveram aumento repentino. Mas nada impressiona tanto quanto o fato de que, nos últimos cinco anos, as buscas por “Crimes reais Netlix” aumentou 1.500%, com pico em julho de 2021, um mês após a estreia de ‘Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime’.

Mortes brutais, espancamento, crianças desaparecidas, esquartejamento, tortura, estupro… Convenhamos, não é todo mundo que tem estômago para histórias assim, contadas com tantos detalhes. Talvez por isso, uma nova vertente do “true crime” tem viralizado Brasil afora: histórias sobre golpistas. O assunto não é novo, claro. Baseados em fatos reais, os longas ‘Prenda-me se for Capaz’ (2002) e ‘O Lobo de Wall-Street’ (2013), ambos protagonizados por Leonardo DiCaprio, contam as histórias impressionantes dos vigaristas Frank Abagnale e Jordan Belfort, respectivamente. O mesmo acontece com ‘VIPs’ (2010), com Wagner Moura interpretando o estelionatário Marcelo Nascimento da Rocha, e o drama biográfico ‘As Golpistas’ (2019), estrelado por nomes como Constance Wu, Jennifer Lopez e Cardi B, que narra um esquema de roubos quase perfeito idealizado por um grupo de strippers. 

Este último foi baseado no artigo “The Hustlers at Scores", escrito pela jornalista Jessica Pressler em 2016 e publicado na New York Magazine. Uma outra reportagem especial de Jessica foi a principal fonte para a atual produção mais assistida do Brasil na Netflix: ‘Inventando Anna’, criada por Shonda Rhimes. Dividida em nove episódios, a minissérie acompanha o processo investigativo e a apuração jornalística que procurava desvendar as motivações e história de vida de Anna Delvey (Julia Garner), pseudônimo de Anna Sorokin, uma brilhante jovem russa que aos 25 anos de idade conseguiu se infiltrar na alta-sociedade novaiorquina mentindo ser uma herdeira alemã. Tornando-se amiga de magnatas de Wall-Street e milionários dos ramos da moda e artes plásticas, ela roubou centenas de milhares de dólares e aplicou golpes em hotéis e bancos de luxo. 

A história, que se passa entre os anos de 2018 e 2019, impressiona em muitos níveis. Anna tinha tudo para ser uma Robin Wood millenial, não fosse o mero detalhe do ego maior que si e a busca por uma vida de riqueza extrema e fama. Privilégio branco, capitalismo, sexismo, ética jornalística e o universo das aparências nas redes sociais são explorados por toda a história. A série ainda conta com um easter-egg legal: em algum momento da vida, Anna se aproxima de um dos criadores do Fyre Festival, uma das maiores roubadas que gente rica se meteu na história e que virou tema de um documentário na Netflix (resumindo: esse seria o festival de música mais opulente do mundo, e quando os milionários chegaram nas Bahamas, se depararam com uma desorganização monumental, onde cabaninhas improvisadas, falta de água, de comida e de banheiros era o mínimo). 

Mas nem só gente rica é vítima desses criminosos que vivem de criar personas e aplicar golpes. Enquanto a minissérie documental ‘Mestres da Enganação’ conta a história de Robert Freegard, um homem com altos níveis de psicopatia que sob a falsa alcunha de ser um agente do MI6 cometeu crimes bárbaros como sequestro e tortura sem motivações financeiras, Simon Leviev, protagonista do doc ‘Golpista do Tinder’, segue a mesma linha de pensamento de Anna Sorokin em busca de luxo. 

Tudo bem que são histórias reais e com uma pesquisada no Google você descobre tudo, mas alguns spoilers a seguir. Diferente da russa, que mexeu no vespeiro de um punhado de caras milionários do “clube do Bolinha” de Nova York, Simon aplicava golpes afetivos e financeiros em dezenas de mulheres ao redor do mundo. Anna foi condenada de 4 a 12 anos de prisão e atualmente aguarda sua deportação. Basicamente, todas suas vítimas foram ressarcidas pelos bancos. Simon foi condenado a 15 meses – dos quais cumpriu cinco – e logo voltou a viver de forma pomposa, vendendo cursos sobre finanças e vídeos na Internet. Suas ex-namoradas vivem até hoje endividadas até o pescoço, pagando pelos luxos do vigarista. Todos, se condenados, precisam obviamente responder por seus crimes. Mas estes filmes e séries nos mostram que uns, definitivamente, pagam mais do que os outros.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 23 de fevereiro de 2022.