por Gi Ismael*
Nunca vou saber se éramos a família adorada ou odiada do prédio. É que tudo lá em casa tinha trilha sonora: hora de lavar louça, momento de estudar, pano de fundo de um jogo de videogame ou, como meu pai adorava, música nas alturas às sete da manhã de um sábado para acordar a casa inteira. Cresci ouvindo meu pai contando dos shows que assistiu nos anos 1980 e 1990 quando morava em São Paulo. Robert Plant para cá, Michael Jackson para lá, Iron Maiden assim, Metallica assado... Uma das melhores histórias que ele conta é de quando levou minha mãe, grávida de oito meses, para um show do Ratos de Porão. Mas essa anedota fica para outro dia.
A diferença de idade entre eu e meus irmãos é de quatro anos e seis anos, o que significa que eu demorei um bocado (na minha cabeça) a iniciar os rolês de música ao vivo. Foi lá para os meus 13 ou 14 anos, que eu comecei a ir para shows aqui na cidade sem os meus pais na cola. O primeiro lembro claramente: era Pitty, no estacionamento do antigo Hiper Bompreço. Depois vieram alguns lá no Forrock, como O Rappa e Planet Hemp. Enquanto isso, meus irmãos mais velhos já viajavam para outras cidades para assistir ao vivo bandas como Deep Purple, Placebo, Silverchair, Pearl Jam… E eu me acabava de tristeza. Provavelmente corria para o quarto, fechava a porta, abria o Winamp no computador e ouvia Avril Lavigne ou Pink Floyd (um pouco de droga, um pouco de salada) para passar a raiva besta.
Por falar nisso, em 2007 os humilhados foram exaltados. Tempos de ouro quando as passagens aéreas eram mais baratas que um tanque de gasolina hoje em dia. A família toda viajou para São Paulo, quase uma “caravana João Pessoa” para assistir Roger Waters em turnê de 30 anos do disco ‘The Dark Side of The Moon’. Lá estava eu, de cabelos estirados no formol, colar de bolinhas e calça cintura baixa, com o sorriso metálico de orelha a orelha. Era o fim de semana mais feliz da minha vida até então.
Essa viagem foi como um ritual de passagem para mim. Claro que o show em si foi histórico, marcante, impecável, emocionante; porém andando pela cidade eu compreendi mais da minha individualidade. Por ser a mais nova de três filhos, muito do que eu era e ouvia até então era um grande caldeirão de gostos dos meus irmãos. E quem eu não sabia que era, até então, estava lá nos passeios pela Galeria do Rock e pelo bairro da Liberdade.
Agora todo o motivo desse flashback: um dos CDs que comprei nessa viagem foi o ‘OK Computer’ (1997), do Radiohead. O mote dessa coluna seriam os 25 anos dessa obra-prima fonográfica, mas percebi que se não fosse essa viagem do ano de 2007, minha bagagem sonora e cultural poderia ser bem diferente hoje em dia. Desses discos na bagagem, enquanto muitos não tiveram uma longa vida útil, os de Radiohead se tornaram inseparáveis.
Ao longo de anos, me mantive atenta a todas as novidades do grupo. Agora com meu dinheirinho suado, assisti show, comprei edições especiais, vinis e até um quebra-cabeças que nunca chegou (mas fui reembolsada, tá tudo bem). Há poucos dias, a banda liderada por Thom Yorke anunciou um novo item na sua loja virtual: um bule de chá. Aí me bateu a real. Depois do quebra-cabeças, minha banda preferida está vendendo um verdadeiro kit para nós, seus fãs mais velhos. Sorri, agora sem os aparelhos nos dentes e sem muita vitalidade para encarar três dias de festival de música, e pensei num suspiro: “mal posso esperar por um par de pantufas personalizadas”.