Notícias

#129 Spielberg emociona em novo ‘Amor, Sublime Amor’

publicado: 23/03/2022 08h00, última modificação: 22/03/2022 12h29
amor-sublime-amor.jpg

Canções eternizadas por Jackson do Pandeiro estão no LP de 1972 - Foto: Foto: Divulgação

por Gi Ismael*

Uma história mais antiga que o tempo: duas pessoas, um romance impossível. A tragédia shakespeariana ‘Romeu e Julieta’, publicada no século 16, foi base e inspiração para inúmeras obras subsequentes do teatro, do cinema e da literatura. No teatro musical, o espetáculo ‘Amor, Sublime Amor’ nasceu pronto para ser um clássico. Com libreto e coreografia de Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein e letras Stephen Sondheim (apenas), o musical teve direção e coreografia de Jerome Robbins. Robbins codirigiu a adaptação cinematográfica poucos anos depois, em 1961, ao lado do mestre Robert Wise.

Pois. Como eu disse: a obra nasceu pronta para ser um clássico. Foi nesse terreno até então intocável que Steven Spielberg pisou quando decidiu refilmar o longametragem protagonizado por Natalie Wood, Richard Beymer, Russ Tamblyn e Rita Moreno. Mas Spielberg, sendo Spielberg, deu aula magna de como se honrar as origens e, ao mesmo tempo, deixar uma obra do século passado com um quê contemporâneo. 

No enredo, as gangues rivais Jets (formada por americanos) e Sharks (os porto-riquenhos) chegam no ápice de seus confrontos diários quando a jovem Maria, irmã do líder dos Sharks, e o garoto-encrenca Tony, ex-líder e amigo próximo dos Jets, se apaixonam. Com a tensão sendo construída ao longo da trama, é difícil imaginar um final feliz para estes Montéquios e Capuletos do gueto estadunidense. 

Enquanto o filme de Robert Wise trazia um elenco em sua maioria branco (com maquiagem escura) para interpretar os Sharks, a produção de Spielberg colocou como prioridade a contratação de um casting latino. E o diretor não precisou de nomes consolidados na indústria cinematográfica para que a obra funcionasse. Na verdade, a maioria dos atores em tela ou vieram do teatro musical ou ainda contam com poucos títulos em sua filmografia, como Rachel Zegler (Maria), Ansel Ergot (Tony), Ariana DeBose (Anita), David Alvarez (Bernardo) e Mike Faist (Riff). 

Outra prioridade nesta refilmagem foi manter as canções em seu formato original, sem remixes ou grandes alterações na estrutura (alô, ‘Aladdin’ de 2019, alô Guy Ritchie: apenas por quê?) . Na verdade, as sutis mudanças que aparecem são em trechos de letras, deixando o texto menos agressivo quando aborda, por exemplo, Porto Rico. 

O enredo continua, claro, o mesmo do original, porém apresenta mais contexto e aprofundamento para seu núcleo principal de personagens. Conhecemos mais sobre as origens dos irmãos Maria e Bernardo, o jovem Chino ganha algumas camadas e Anita brilha com sua força e paixão comoventes. Com estas camadas, a tragédia é ainda mais evidente: apesar de diferentes, esses jovens rivais vêm do mesmo berço marginalizado.

Assistir ao novo ‘Amor, Sublime Amor’ é uma aventura. A direção de arte nos leva para os anos 1950, mas montagem, fotografia e finalização fazem o filme parecer uma produção feita nos 1960 (porém com um requinte maior de cenário, figurinos e equipamento). É emocionante ver Rita Moreno, a Anita na obra de 1961 e uma das poucas pessoas no mundo a garantir o título EGOT (ou seja, uma pessoa premiada com Emmy, Grammy, Tony e Oscar), voltar para um novo papel feito especial para ela. 

E Spielberg, que em 50 anos de carreira nunca esteve na zona de conforto (quem mais poderia ter feito obras tão distintas e tão individualmente excelentes, como ‘Tubarão’, ‘Contatos Imediatos do Terceiro Grau’, ‘Jurassic Park’ e ‘A Lista de Schindler’, quanto ele?), agora pode dizer que dirigiu seu primeiro musical, um filme que, inclusive, recebeu sete indicações ao Oscar. A produção entrou no catálogo da Disney+ neste mês de março junto com um documentário de 40 minutos sobre os bastidores da adaptação. Vale a pena ver. 

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 23 de março de 2022.