por Gi Ismael*
Aparentemente, milhares de pessoas lembram nitidamente que o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, morreu na prisão em meados dos anos 1980 e 1990. Mas não é apenas uma lembrança distante, é uma certeza. Certeza inclusive de terem assistido ao funeral na televisão naquela época. Vez ou outra, o mundo se choca quando um “fato” como esse é desmascarado como uma ilusão em larga escala. Aqui no Brasil, um desses casos famosos é que muitas pessoas dizem lembrar que, em 11 de setembro de 2001, estavam em casa assistindo Dragon Ball Z na televisão quando a transmissão foi interrompida para anunciar o atentado às torres gêmeas. A verdade é que não houve, em canal algum, transmissão do desenho naquele dia e hora.
Justamente por conta da memória falsa sobre o falecimento do líder sul-africano (que na realidade morreu em 2013), esse fenômeno contemporâneo ficou conhecido como “Efeito Mandela”. Ele é tão surpreendente que, óbvio, dezenas de teorias da conspiração pairam na internet. O “Efeito Mandela” é a prova de que fomos transportados entre multiversos? Ou ainda uma falha na Matrix? Talvez uma mera mostra de que criar memórias e lembranças que nunca existiram é mais comum do que imaginamos?
Às vezes compartilho histórias com a minha família e ninguém parece lembrar daquilo ou, pior, comprovar de alguma forma que aquilo era impossível de ter acontecido. A psicologia aborda esse tema como “memórias ilusórias” ou “falsas memórias” e o meio jurídico também atravessa o termo para investigar o efeito deste fenômeno nas provas testemunhais.
E a cultura pop é cheia deles. Star Wars: Episódio 5. Numa batalha épica, Darth Vader tenta convencer Luke Skywalker a ir para o lado negro da força. O vilão está em vantagem quando conta ao mocinho um dos maiores plot twists da história do cinema: “Luke, eu sou o seu pai”, correto? Errado. O que Vader diz, na verdade, é “Não, eu sou o seu pai”. Pode conferir.
Como uma frase tão icônica pode ser lembrada de forma errada por tanto tempo? Não sei, mas deve ser o mesmo motivo pelo qual a gente jura que a Rainha Má em A Branca de Neve e os Sete Anões diz: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?” ao invés do correto “fala, espelho meu, quem é mais bela do que eu?”. Simplesmente não existe registro de que a primeira frase tenha existido no filme de animação.
Tenho mais alguns exemplos legais para vocês. O mascote do jogo de tabuleiro Monopoly, que chegou no Brasil como Banco Imobiliário, sempre usou cartola e bengala, mas nunca um monóculo. Ainda sobre imagens, algo que ouvíamos bastante antes dos anos 2000 era sobre o grande mistério do sorriso da Monalisa no quadro de Da Vinci. Mas muita gente (inclusive eu) lembra que o sorriso era misterioso justamente por conta de sua sutileza, de não conseguirmos decifrar que sentimento carregava. Aparentemente, a felicidade dela era bem mais óbvia do que tínhamos lembrança.
Confesso que estou meio obcecada pelo tema. Se você também quer se aprofundar mais teoricamente no assunto, me deparei com um artigo das doutoras em psicologia Lilian Stein e Carmem Beatriz Neufeld intitulado Falsas Memórias: Por que lembramos de coisas que não aconteceram?. Ah, acabei de lembrar de mais dois exemplos que sempre me pegam: o desenho se chama Looney Tunes e não Looney Toons. O C3PO não é completamente dourado, ele tem uma perna prateada. Acho que vou parar por aqui ou corro o risco de ser estopim de um surto coletivo!