por Gi Ismael*
Stranger Things deve estar cansada de carregar a Netflix nas costas. Desde 2016, a série é a queridinha do público, qualquer que seja a idade dele, e é o produto que ainda mantém muita gente na plataforma de streaming diante do catálogo mediano e de preço alto. A produção dos gêmeos Duffer Brothers foi bem inteligente quando sentiu uma crescente nostálgica dos millennials (os nascidos e/ou que viveram infância e adolescência nos anos 1980 e 1990) e o potencial cativante para a geração Z (a geração atual, nascida após os anos 2000). Soma-se a isso um elenco talentoso, roteiro divertido e aventuras instigantes e, voilá, com poucos tropeços, a série se manteve firme ao longo dos anos.
Há poucos dias, foram lançados os dois últimos episódios da quarta temporada, que foi dividida em duas partes e em tamanho GG (o último capítulo teve duas horas e meia de duração). Na continuação da trama, nossos heróis estão cada vez mais distantes entre si, física e emocionalmente. Eleven, Will e família se mudaram de Hawkins após a suposta morte do xerife Hopper, Max se isola após a morte de seu irmão Billy, Lucas decide se enturmar com a equipe de basquete e se afastar do lado “nerd da Força”, e Mike e Dustin entram para o HellFire Club, um clube de RPG de mesa da escola.
Após uma terceira temporada cheia de pontas soltas e com enredo confuso, Stranger Things deu um passo para trás para então dar três para frente com esses novos capítulos, que se aproximam do final da série. O programa voltou o foco para a aventura em si, como foram as primeiras temporadas, e deu pequenas deixas para desenvolver, em breve, as narrativas particulares do núcleo principal de personagens. E foi nesse foco do mistério e da aventura que houveram alguns deslizes.
Eu sei que “Rússia vs. Estados Unidos” foi um tema bem explorado no cinema hollywoodiano no auge da Guerra Fria, em especial nos anos 1980. Mas precisava mesmo trazer todas aquelas pirotecnias e clichês para abordar a União Soviética? Me senti assistindo uma esquete de Casseta e Planeta toda vez que as câmeras se voltavam para a trama do Hopper. Toda a aventura foi no estilo mais piegas e armamentista como o filme Team America - Detonando o Mundo (2004) ironiza (teve até uma versão da clássica cena onde dizem “Ei, terrorista! Aterrorize isso!”). Mas preciso dar um salve à coincidência que foi ter um personagem chamado Yuri Ismailov na série (meu irmão é um camarada chamado Yuri Ismael).
Para ser sincera, mal senti o passar das horas nessa temporada porque foram, de fato, capítulos divertidos e nada arrastados. Mas, ainda assim, a série teve trechos muito explicados, mastigados, como foi a desnecessária sequência de 15 minutos para explicar quem era Vecna. Não sei vocês, mas me deixa inquieta uma produção que subestima a inteligência de seu público.
Para os capítulos finais, não seria nada mal dar mais dimensão à Eleven. Digo isso porque eu estaria em coma alcoólico até agora se tivesse colocado em frente a ideia do jogo etílico, onde cada vez que a El aparecesse chorando em cena, a gente virava um copinho de cachaça. Ela sofre e eu sofro junto de agonia. Sério, assiste de novo. Ela chora em 90% das cenas. Já deu. Os próximos capítulos também pedem mais aprofundamento em algumas deixas que apareceram nessa temporada, como a homossexualidade de Will e o fato de Robin, provavelmente, ser neuroatípicoa.
Depois de criar uma legião de fãs e uma das odes mais legais aos anos 1980, após apresentar Kate Bush ao público mais novo e fazer com que o single ‘Master of Puppets’, do Metallica, alcançasse pela primeira vez o top 100 Billboard 36 anos após a estreia, Stranger Things é uma série que merece um encerramento forte assim como foi a arrancada potente lá na primeira temporada.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 20 de julho 2022.