por Gi Ismael*
Em 1991, era fundada em Los Angeles, EUA, uma banda impactante, com letras engajadas e música que fundia o rap e o metal/rock. Rage Against the Machine, formada pelo poeta e rapper Zack De La Rocha, pelo guitarrista Tom Morello, o baixista Tim Commerford e o baterista Brad Wilk, criou gerações conscientes e ativistas na luta pelos direitos humanos e contra conflitos da geopolítica mundial… Ou era o que se esperava.
Viralizou recentemente uma matéria da revista Rolling Stone com uma manchete excelente: “Rage Against the Machine: Fãs ficam chocados ao descobrirem que a banda fala de política”, acompanhada do subtítulo que lia “Após show de retorno do Rage Against the Machine, fãs afirmaram: ‘Eles eram melhores quando deixavam a política de fora’”. É até risível ler algo assim quando temos dois absurdos: o primeiro deles é achar inconcebível que algum artista se manifeste em cima de um palco. Segundo, que RATM tenha sido, em algum momento da carreira, apolítico, neutro. É como falar que o programa Mais Você seria muito melhor se Ana Maria Braga deixasse as receitas de lado.
A notícia fala sobre um fato que ocorreu recentemente, quando, passando com a turnê Public Service Announcement por 12 países, a banda usou o microfone para protestar contra a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de revogar o direito constitucional ao aborto. “Abortem a Suprema Corte”, disse Zack em meio aos gritos que vociferavam “liberdade”. Rage sempre foi assim e sempre será – e não precisa nem ouvir a discografia completa para saber disso.
Agora em julho, a banda lançou digitalmente Live & Rare, uma coletânea de músicas ao vivo que havia sido lançada apenas no Japão em 1998. O disco reúne apresentações do grupo na Holanda, EUA e Canadá no começo dos anos 1990. Em poucas faixas, ouvimos músicas que evocam, por exemplo, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (‘Zapata’s Blood’) e as lutas do Movimento Indígena Americano, além de canções que protestavam contra a construção do muro que divide EUA e México e faixas que denunciavam brutalidade policial.
A matéria da Rolling Stone relembrou um fatídico caso quando a banda postou nas redes sociais uma foto de Tom Morello, alguns anos atrás, segurando sua guitarra riscada com dizeres contra o ex-presidente estadunidense Donald Trump. Um internauta então comentou: “Outro músico bem-sucedido que instantaneamente se torna um expert político”, ao passo em que o próprio Morello respondeu, de forma sensacional, que “uma pessoa não precisa ser graduada com honras em ciência política pela Universidade de Harvard para reconhecer a natureza antiética e desumana da administração dele mas, bem, eu por acaso sou graduado com honras em ciência política pela Universidade de Harvard, então posso confirmar isso para você”.
Na foto em questão, Morello usava uma camisa com onde lia-se um trecho da letra de ‘Mother’, música de Pink Floyd, outra banda bastante politizada e com fãs que, aparentemente, não entenderam nada do que ouviram ao longo dos anos. Na última passagem pelo Brasil, em 2018, Roger Waters utilizou o palco (como sempre) para falar sobre a crescente onda fascista na política mundial – e foi vaiado.
Respondendo diretamente a isto ou não, este ano o eterno baixista e vocalista do Pink Floyd fez um anúncio antes de seu show em Boston, EUA: “Se você é um daqueles que diz ‘Eu amo Pink Floyd, mas não suporto a política de Roger’, você fará bem em se ***** e ir para um bar agora. Obrigado e aproveite o show”, dizia o texto no telão.
Foi trazendo a pauta das manifestações recentes de RATM à tona que a modelo e apresentadora Ellen Jabour escreveu no Twitter que não gostava de shows que falam de política, relembrando a apresentação de Roger Waters dizendo que o que ele fez havia sido “uó” (esse, inclusive, é o nome do ótimo disco de Pink Floyd: The Uó).
Isso tudo mostra o quanto a arte, em escala micro ou macro, é inquietante e tem força real para despertar o interesse do público por política, no aspecto mais amplo da palavra. Zack De La Rocha cantava sobre isso em ‘Freedom’, em tradução livre, “garrafa de tinta, / pinturas de rebelião / desenhadas pelos pensamentos que tenho. / O poeta militante entra mais uma vez”. O recado não poderia ser mais claro. Por isso, não custa frisar: escute o que seu artista preferido tem a dizer, assim, além de compreender a arte como um todo, você terá embasamento para dizer se concorda ou não com suas ideias (sem passar vergonha).
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 27 de julho de 2022.