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#154 Björk e seu emocionante retorno ao Brasil

publicado: 16/11/2022 00h00, última modificação: 16/11/2022 09h27
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Cantora islandesa trouxe ‘Björk Orchestral’ e o seu ‘disruptivo’ figurino para SP - Foto: Foto: Santiago Felipe

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por Gi Ismael*

Eu não me aguentava de tanta ansiedade – e não estava sozinha nessa. Já havia se passado 15 anos desde a última vez em que Björk se apresentara no Brasil (é, uma debutante toda, graças ao cancelamento do show de 2012). Aquela vez, em 2007, fora apenas a terceira passagem da cantora pelo país.

Muito nova para ouvir Björk nos anos 1990, assistir um show desse porte com 16 anos de idade não era uma realidade acessível para mim, que começava, mais ou menos nessa época, a ficar fissurada pela obra eletrônica e experimental. E finalmente o momento chegou. No último dia 5, a emblemática e disruptiva cantora islandesa finalmente voltou para a América do Sul e subiu ao palco do Primavera Sound São Paulo com a turnê Björk Orchestral. E eu estava lá, com lágrimas nos olhos e coração repleto de amor.

Acompanhada pela Orquestra de Cordas Bachiana Filarmônica, de São Paulo, sob regência do islandês Bjarni Frímann Bjarnason, a artista trouxe um show enxuto, mas encorpado para uma plateia que misturava fãs e ouvintes de primeira viagem. Sendo generalista, basicamente o público se dividia entre as gerações Y e Z.

Seja qual fosse a relação ou falta de relação com a artista, no momento em que subiu ao palco, Björk chamou atenção de todos com sua estética e performance. Vestindo a mesma peça no rosto e peruca que usou na apresentação na Islândia, em 2021, e um figurino remetendo ao tradicional quimono japonês em contraste com mangas longas de látex, Björk continua sendo arte da cabeça aos pés.

No concerto original da turnê, a artista apresentou um repertório de cerca de 210 minutos de duração, com mais de 40 músicas. Infelizmente e, como já era esperado, a seleção foi drasticamente cortada e restaram 13 músicas para o show no Primavera Sound (basicamente o primeiro bloco de músicas do show ao vivo, disponível no YouTube). Ou seja, apesar de ter lançado há poucas semanas o disco Fossora, o repertório percorreu os destaques dos 30 anos de sua carreira solo, infelizmente deixando de fora músicas de discos excelentes como o Volta, de 2007, Biophilia, de 2011 e Medúlla, de 2004 (e isso faz sentido, uma vez que os arranjos da turnê são à capella, assim como no disco), mas dando preferência aos quatro primeiros discos de sua carreira, além do Vulnicura (2015). Por falar em discografia, foi surpreendente que a música ‘I’ve Seen it All’ tenha entrado no repertório para o público brasileiro, uma vez que o disco ‘Selma’s Song’ (2000) é a trilha sonora do filme Dançando no Escuro (2000), musical dramático – e traumático – dirigido por Lars von Trier e protagonizado pela islandesa.

Ainda sobre o repertório, foi nesse show em São Paulo que Björk fez a estreia ao vivo da música ‘Ovule’, mais uma de suas canções que tateiam o corpo em busca de inspiração, metáforas e significados. Do mais recente, ao début, duas músicas trouxeram ao show um momento catártico e não poderia ser diferente: ‘Jóga’ e ‘Isobel’, sucessos que a separaram de qualquer outra estrela que aparecia na MTV nos anos 1990.

Cantando novas ou antigas músicas, a perfomance de Björk foi impecável. Com aquela voz única que mescla os dois lados de uma esponja, seu alcance, sua afinação e dinâmica, suas doçura e aspereza vocal… tudo estava lá, como nos discos, seja com 30 anos de idade ou com 56.

Em uma entrevista recente para o podcast ‘Bjork: Sonic Symbolism’, ela disse que o canto e as letras são secundários no seu processo criativo; por conta da sua formação em música, seu foco maior é na composição musical (engraçado que, para mim, o oposto causa mais efeito). Para essa grande ode à sua carreira, ela mesma fez o arranjo de cordas. E, também por isso, esse é um show que merece ser assistido na imersão que só um teatro oferece, com acústica, iluminação e conforto pensados para a atenção total.

Arriscando pouco português com alguns “obrigados” e “boa-noites”, seu corpo expressava muito mais do que qualquer texto decorado jamais expressaria. A cada coro do público brasileiro, Björk esboçava um sorriso tímido e eventuais pulos contentes. Na hora do bis, falou, em inglês, ao público brasileiro algo como: “Estou realmente contente em estar aqui. Ninguém nunca cantou todas minhas músicas dessa forma e vocês me emocionaram”. Seja delírio de uma fã ou não, isso para mim foi o melhor sinal de que ela vai voltar para o Brasil, com a apresentação solo que ela (e a gente) merece.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 16 de novembro de 2022.