Notícias

#156 Amadurecer, redimir e amar

publicado: 30/11/2022 00h00, última modificação: 07/12/2022 16h47
jerry-maguire.jpg

Tom Cruise (E) e Renée Zellweger (D) como par romântico em ‘Jerry Maguire’ - Foto: Divulgação

tags: cameron crowe , cinema , quase famosos , jerry maguire , elizabethtown

por Gi Ismael*

“Eu escuto música pop porque eu sou miserável ou eu sou miserável porque escuto música pop?”, diria Rob Gordon em Alta Fidelidade (2000). Lá nos meus 16, 17 anos, quando assisti Quase Famosos (2000) pela primeira vez, enxerguei uma vida de possibilidades que remetiam à liberdade, aquela de buscar minha independência e me mandar no melhor estilo pé na estrada seja enquanto aeromoça, groupie, artista ou jornalista. Claramente, e por sorte, só uma dessas vertentes eu cravei – e a parte de me mandar não entrou no pacote. O fato é que Quase Famosos me levou a querer ser jornalista cultural e a culpa é de Cameron Crowe.

Diretor e roteirista, ele conta o mundo sob uma ótica muito particular e suburbana que, mesmo calcada no "american way of life", dialoga com muita gente uma vez que boa parte de suas obras procura por coisas que almejamos, eventualmente, na vida: amadurecimento, redenção e, de bônus, uma pitada de amor inesquecível.

Em uma década, Crowe entregou Jerry Maguire - A Grande Virada (1996), Quase Famosos e Tudo Acontece em Elizabethtown (2005), filmes aparentemente diferentes entre si mas com essa essência em comum (tirei Vanilla Sky da lista por não ser roteiro original e sim uma adaptação). 

O primeiro tornou-se um favorito de público e crítica em parte porque trazia tudo que a indústria amava nos anos 1990. Um filme de romance e esportes com o casal dos olhos Tom Cruise e Renée Zellweger, com o carismático Cuba Gooding Jr. e a potente Regina King, e que contava uma realidade distante para a maioria das pessoas: a história de um cara próspero, que, ao se deparar com o fracasso, precisou se tornar alguém melhor.  Prepara o suspiro de espanto: há poucos dias, assisti ao filme pela primeira vez e, apesar de entender todo o apelo e ter chorado horrores no final, não tive como não notar que o longa envelheceu mal em alguns aspectos, como a representatividade e os recortes de gênero e raça tão problemáticos em Hollywood. Mas é compreensível que Jerry Maguire seja um filme predileto especialmente entre homens – e não há nada de errado nisso.

Ao mostrar alguém que muitos almejam ser – um cara extrovertido, rico, bem-sucedido profissionalmente e com todas as mulheres aos seus pés – de repente fragilizado, correndo uma maratona até se descobrir um apaixonado, a obra toca diretamente em um ponto de identificação e empatia. O amadurecimento, a redenção e uma pitada de amor inesquecível.

E que fique claro que quando vou assistir uma comédia romântica, chego desarmada de qualquer crítica amargurada e penso “a que ela se propõe? E o resultado disso, foi bom?”. Com isso, Tudo Acontece em Elizabethtown entrou para minha lista de preferidos do diretor apesar de ter sido detonado na época. Ele tem o mesmo gancho do jovem que fracassa na profissão, porém o tom mais pé no chão, que remete ao emotivo ponto da jornada interior presente em Quase Famosos, torna o filme um charme. Jerry Maguire, como o título entrega, é obviamente autocentrado e Elizabethtown é igualmente o que se destina ser quando tem uma cidade enquanto personagem que representa a familiar cultura suburbana. Tudo se equilibra na balança narrativa: o romance entre Claire (Kirsten Dunst) e Drew (Orlando Bloom) é fofo, o luto de Hollie (Susan Sarandon) é triste e belo, e o caminho da autodescoberta de Drew até uma real mudança soa legítimo. De novo: o amadurecimento, a redenção e uma pitada de amor inesquecível.

Não é da realidade da maioria de nós uma expedição na adolescência com uma grande banda de rock, nem uma viagem de primeira classe ou muito menos um contrato bilionário com uma famosa marca de tênis. Mas os filmes de Cameron Crowe passam um certo conforto, um sinal verde para o fracasso e o choro – e um estímulo para recomeçar.

*Coluna publicada originalmente, em versão reduzida, na edição impressa de 30 de novembro de 2022.