por Gi Ismael*
Dia desses eu vi no Twitter alguém falando que amava a cultura gay de se juntar na casa dos amigos para assistir clipes das divas pop. E é divertido mesmo, ninguém resiste imitar a Beyoncé falando “Gaga” no clipe de ‘Telephone’ ou ainda reproduzir a icônica coreografia de ‘...Baby One More Time’. Amo os gays, LGBT, povo animado (insira aqui a voz de Narcisa)!
Memes à parte, o conceito de se reunir para assistir algo do interesse em comum é gostoso demais. E não é uma coisa “Netflix & chill?” (esse é o novo código da velha cantada “quer vir aqui em casa assistir um filminho?”). É a cultura de se juntar para assistir videoclipes e shows, filmes, jogos. Em algum ponto, seja qual for seu gosto, isso se torna algo universal aqui no Brasil.
Eu era pequena quando via meu pai indo na estante repleta de fitas VHS e escolhendo sempre a mesma apresentação do Metallica para assistir no fim de semana. Com meus tios e primos em casa, geralmente rolava a coletânea de DVDs Um barzinho, um violão, ou o maravilhoso Barulhinho Bom, de Marisa Monte, talvez um ao vivo do Monobloco. Quando só o nosso núcleo estava em casa e minha irmã era a VJ, vinha o momento acústico Alice in Chains seguido da coletânea de clipes de The Cure. Quando era a vez do meu irmão, talvez a gente fosse assistir o ‘The Wall’, talvez o ‘Live at Pompeii’. Uma família eclética. Minha mãe, assim como eu, ouvia de tudo. Inclusive, lembrei agora dos meus primeiros DVDs de show, comprados no Terceirão: um de Pitty e um de Evanescence. Mas, ninguém queria assistir comigo. O ônus de ser filha bem mais nova. Tudo bem, nenhum trauma causado. Eu só acho engraçado que – brincadeira. Continuando:
Essas congregações vão se ressignificando com o passar da vida. O entusiasmo pela festa do pijama lá na infância começa a ser substituído por uma divertida sensação de intimidade e afinidade. Para mim, isso foi mais forte na adolescência quando passei a acompanhar os últimos episódios de Lost na casa de amigos. Mas nenhuma série foi tão emblemática nesse sentido quanto Game of Thrones. Por anos, semanalmente (ou ao menos nos episódios iniciais e finais), ao menos dez amigos se reuniam para compartilhar a experiência de ver pela primeira vez um mesmo episódio. Nunca vou esquecer do Casamento Vermelho, terceira temporada, episódio nove, e o misto de gritaria e silêncio sepulcral lá em casa.
Se brincar, tenho mais lembranças dessas reuniões do que de saídas para a balada. Lembro o sabor do gin no dia em que assistimos The Who no Rock in Rio 2017 – de casa, claro. Lembro do piso gelado de taco no apartamento do meu amigo, quando vimos o show de Archive ao vivo em Atenas. E em outra casa desse mesmo amigo, anos depois, com a cerveja gelada regando o campeonato mundial do game CS:GO (nunca é tarde para ineditismos). Ou qualquer fim de semana em casa, a rede armada na sala, os gatos e cachorros em volta, e eu e meu companheiro criando uma playlist interminável de clipes icônicos e nossas performances ao vivo preferidas.
No começo de 2021, tentei trazer o sentimento com as chamadas “watch parties” no meu canal na Twitch, ainda quando estávamos em isolamento por conta da Covid. Isto é, basicamente, transmitir online você assistindo algo, comentando e interagindo com quem está no bate-papo em tempo real. Por mais divertido que tenha sido, não é exatamente a mesma coisa. Não se tem a sonora troca de risadas, a alternância para ver quem pega a próxima rodada de bebidas e petiscos, nem muito menos a liberdade de proferir qualquer comentário bobo sem o perigo do cancelamento. Mais do que zona de conforto, é uma área livre e segura de quaisquer julgamentos – inclusive se vocês quiserem assistir juntos Cinderela Baiana (1998) ou As Branquelas (2004).
Esse sentimento veio à tona agora, com a Copa do Mundo. As lembranças jorraram automaticamente: a farra na granja de um tio, na Copa de 1998, o esforço das cinco pessoas que se juntavam para levar a televisão para o salão de festas do prédio em 2002, até a primeira Copa do Mundo na primeira casa em que eu, meu esposo e meus enteados moramos, em 2018. Agora, poucos meses depois de nos mudarmos para nossa casa própria, a gente se reúne de novo. Tenho a impressão que muita gente neste momento pensa como eu: o jogo é o de menos.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 7 de dezembro de 2022.