por Gi Ismael*
Tentaram com Resident Evil, com Tomb Raider, Super Mario e até Prince of Persia. Falharam miseravelmente. Acertaram com The Witcher – mas só na 1ª temporada. Existe certa maldição que circula por aí das péssimas adaptações dos videogames para a televisão. Enquanto a maravilhosa Arcane, baseada na franquia League of Legends, fica em stand-by, o poder de quebra desta chaga veio forte com a estreia de The Last of Us na HBO.
A série é baseada no game homônimo lançado em 2013 pela Naughy Dog, e cuja continuação, até 2022, havia sido o jogo que mais levou os principais prêmios do nicho (ela perdeu o posto para Elden Ring agora em dezembro). Jogado por milhões de pessoas no mundo, chegou a vez de mais gente conhecer a espetacular trama de terror, vingança, um pai triste e zumbis, muitos zumbis!
A série live action vem para somar no universo que conta com os dois jogos principais (The Last of Us: Parte 1 e Parte 2), o capítulo extra Left Behind e ainda a história em quadrinhos The Last of Us: Sonho Americano, da Dark Horse. Tendo consumido todos esses conteúdos e acumulado boas horas de gameplays minhas e alheias, entrei no time dos que ficaram apreensivos com o anúncio da adaptação. Mas foi só respirar com calma para me lembrar de que a história criada por Druckman dificilmente vai ser repetitiva ou morrer por inanição. Sempre existe algo a mais para ser contado.
A adaptação traz muitas escolhas inteligentes tanto de Druckman quanto de Craig Mazin, produtor executivo e corroteirista da série. No primeiro capítulo, existem três vertentes narrativas: a que oferece um contexto extra, a que muda detalhes iniciais e a que segue a história literal do jogo. A primeira expande nuances implícitas, como o programa televisivo que abre o episódio, a ida de Sarah ao relojoeiro ou a negociação entre Tess e contrabandistas. A segunda, talvez a mais perceptível nesta estreia, veio para puxar a história mais para perto do público – no jogo, a infecção começa em 2013 e acompanhamos a história 10 anos depois, em 2033. Para a série, tudo foi empurrado 10 anos para trás, então temos a impressão de viver numa espécie de realidade alternativa, onde 2023 é cenário de um apocalipse zumbi. Já a terceira vertente, recria, ipsis litteris, diálogos e até cenas inteiras o jogo. Enquanto alguns chatos reclamam disso, eu recrio a frase de um amigo de um amigo meu: eu sou “fan” e eu quero “service”!
Dizem que o arrepio é a medida pra saber se algo realmente te tocou. E os arrepios no braço vieram em cenas que já vi inúmeras vezes (como a dramática morte inicial, ainda mais dramática na série do que no jogo) e em cenas inéditas (difícil esquecer a velhinha infectada, com os fungos animadíssimos em sua boca ensanguentada).
O “cara legal” Pedro Pascoal sustenta o papel de Joel Miller seja na felicidade pré-apocalíptica ou na marra de um cara que perdeu tudo. Nico Parker, a jovem que interpreta Sarah Miller, me deixou sem fôlego no prólogo do episódio, aproveitando muito bem o tempo de tela para intensificar o papel da filha. Bella Ramsey, por sua vez, já era uma força da natureza quando estreou em Game of Thrones, também da HBO, interpretando a impiedosa Lady Lyanna Mormont apenas aos 13 anos de idade. Já era certo: Bella Ramsey é Ellie. Não posso deixar de falar da presença dele, que não é ator nem criador da série, mas traz sua ilustríssima presença como compositor da trilha original: só deixo meu obrigada por tudo, Gustavo Santaolalla.
Podemos dividir os fãs da franquia The Last of Us em dois: os que acham a ideia da série desnecessária e os que estão realmente empolgados em explorar mais do aterrorizante presente-fúngico (geralmente estes fãs ficam no mesmo grupo daqueles que vão odiar a Abby no segundo jogo ou daqueles empáticos com a personagem durona).
Pois mal vejo a hora de rever as cenas mais marcantes do jogo (o hospital, a girafa, o ataque de fúria…) e também de saber o que mais vai entrar no roteiro. Será que vamos ter flashbacks mostrando Riley? Será que a série avança na história e chegamos aos acontecimentos iniciais do segundo jogo? Talvez mais do que isso, me empolgo com as possibilidades para além do comum que podem (e que já começam a ser) exploradas na adaptação.
*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 18 de janeiro de 2023.