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OPINIÃO

#168 ‘The Last of Us’: o passado em diálogo com o presente

publicado: 01/03/2023 00h00, última modificação: 01/03/2023 11h39
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Bella Ramsey e Storm Reid interpretam Ellie e Riley, respectivamente. Foto: HBO/Divulgação.

tags: The Last of Us, Hbo Max, Gi com Tônica

por Gi Ismael*

Eu não contava com a astúcia do Carnaval. Na semana passada, prometi que escreveria episódio por episódio de The Last of Us e venho hoje com outra dose “dois em um”. Pois bem. Hoje entram em pauta os capítulos 6 e 7 da série da HBO Max. Tudo pela notícia quente!

Já passamos da metade da temporada e a série veio construindo a relação entre os protagonistas, contextualizando o cenário político e social do apocalíptico ano de 2023. Vimos muitas formatações consanguíneas ou afetivas até aqui: as famílias Joel e Tess, Frank e Bill, Kathleen e Michael, Henry e Sam. Nesta reta final, Joel e Ellie ganham mais tempo de tela para formarem, eles também, uma família.

Nessa linha, vem o episódio Parentesco, logo após o pesado Resistir e Sobreviver, no qual conhecemos – e nos despedimos – dos irmãos Henry e Sam. Sem escolha a não ser seguir em frente, Joel e Ellie continuam em busca de Tommy que, diferente do que seu irmão imaginava, não precisa ser salvo. O que deveria ser um reencontro único, a reunião dos irmãos que não mais se perderão, toma um desfecho individual. E isso é muito simbólico no capítulo. Joel, ainda cheio de rancor, medos e incertezas, tem ataques de pânico cada vez que aparece um perigo real de perder alguém que ama. As lembranças de Sarah são um misto de assombração e esperança enquanto sente o amor que dói por Tommy e Ellie.

O contrabandista teme perder as pessoas mais preciosas em sua vida mais uma vez – e é encontrando seu irmão caçula que ele compreende na marra que relações afetivas, quando verdadeiras, são sobre respeito e individualidade, e este equilíbrio difícil entre saber viver em coletividade e, ao mesmo tempo, entender que não há espaço para possessividade.

Numa réplica fiel do jogo, a cena da briga entre Ellie e Joel é de partir o coração. Farta das grosserias e blindagem sentimental de Joel, a garota deixa de lado a personalidade leve para jogar a real: todos estão no mesmo barco, e num mundo como aquele, todos já perderam alguém. Todos já foram abandonados de uma forma ou de outra. Mas o que eles têm é único e real.

Demora, mas a ficha de Joel cai: eles se completam.

Junta, e mais uma vez a sós, a dupla segue em busca dos Vagalumes e da esperança da cura. Como vocês sabem, o episódio termina com Joel sendo perfurado após um ataque. Ellie, mais do que nunca, passa por um amadurecimento forçado quando Joel já não pode mais liderar a dupla. E aqui entramos no terceiro ato da temporada.

O que deixamos para trás é o sétimo episódio da temporada e é baseado no DLC Left Behind, um capítulo extra do jogo lançado ainda em 2013, com cerca de 180 minutos de jogabilidade e dezenas de motivos para chorar. Essa é a primeira vez na história que vemos o cotidiano de uma adolescente no apocalipse. A vida de escola militar, o bullying e o sentimento inevitável do romance, o quarto repleto de pôsteres e uma jovem que só viver em paz com sua melhor amiga e seu walkman.

Por falar em walkman, um adendo: a série, assim como o jogo, saúda o cinema e a música nas entrelinhas e esse episódio é puramente musical. ‘All or None’, música de Pearl Jam lançada em 2002, um ano antes da pandemia fúngica, toca no walkman de Ellie (um detalhe legal é que no segundo jogo podemos encontrar pôsteres anunciando Lightning Bolt, disco de Pearl Jam que “seria” lançado em 15 de outubro de 2013). Há também um brinde para quem jogou TLOU2 e é quando ouvimos ‘Take on Me’, de A-Ha. Lágrimas automáticas.

Voltando para o enredo em si, o deslumbrante capítulo é um parêntese, um sopro de normalidade no cotidiano cruel em que as personagens vivem. Somos apresentados a Riley, a colega de quarto, melhor amiga e crush de Ellie. É como se John Hughes tivesse entrado em cena com Curtindo a Vida Adoidado e o O Clube dos Cinco (só que no começo dos anos 2000) para perguntar: Onde os jovens iam quando queriam matar aula e se divertir? Para o shopping!

Sabendo que iria partir, Riley, que conhece Ellie como ninguém, prepara um dia inesquecível para sua melhor amiga. São fliperamas, carrossel, escadas rolantes, dancinhas e uma gostosa tensão da paquera. A desajeitada amizade colorida de duas garotas se desenvolve para o tão sonhado primeiro beijo. E a dificuldade de dizer adeus. E malditos zumbis.

Com o dramático destino das duas, mordidas por um infectado, Riley aceita o destino. Ela, que já havia perdido outras pessoas, se conforma com a possibilidade. Mas Ellie entra em fúria. Ela estava presenciando sua primeira despedida. Seu primeiro confronto com a morte de alguém querido tanto quanto sua própria.

Quando voltamos para o presente dela e de Joel, é fácil entender porque ela iria fazer de tudo para salvar Joel. Dessa vez há como lutar.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 01 de março de 2023.