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#172 ‘Nada de Novo no Front’ é impactante e necessário

publicado: 29/03/2023 00h00, última modificação: 29/03/2023 08h54
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Produção alemã ganhou quatro Oscars, inclusive de Melhor Filme Internacional. Foto: Netflix/Divulgação.

por Gi Ismael*

Pode não ter sido a decisão mais inteligente da minha vida, mas no último domingo à noite decidi assistir Nada de Novo no Front (2022). Não digo isso com um sentido pejorativo, como uma afirmativa de que o filme é ruim. É bem o oposto disso: a obra é uma das mais tocantes, impactantes e aterrorizantes que assisti – e talvez fosse um pouco melhor não começar a semana com o filme rodando na minha cabeça o dia inteiro, desde as 5 da manhã.

Dirigido por Edward Berger, o filme é uma adaptação do clássico da literatura alemã Nada de Novo no Front (1929), do autor Erich Maria Remarque. Veterano da Primeira Guerra Mundial, Remarque narrou os horrores do conflito de maneira tão potente e poética, que o livro foi um sucesso no pós-Guerra, vendendo milhões de cópias para além da Alemanha no ano de sua publicação. Em 1930, foi adaptado para o cinema sob direção de Lewis Milestone (Sem Novidade no Front); em 1979, virou um filme televisivo homônimo. A premiada versão de 2022 reverencia todas as obras, com refilmagens bastante fiéis de cenas clássicas das produções audiovisuais, apresentando uma perspectiva própria para a tragédia.

Para além dos barulhos de tiros, gritos e explosões, a refilmagem de 2022 explora o som de diferentes formas, trazendo a trilha sonora por diversas vezes como analogia aos característicos barulhos da guerra. Ouvir o pesado baixo nas peças compostas por Volker Bertelsmann no tema principal do filme é como acordar ao som de alarmes e cornetas eletrizantes anunciando um ataque (trilha sonora, inclusive, foi uma das quatro categorias que o filme venceu no Oscar agora, em 2023). A música nos faz sentir a carga que muitas vezes não é percebida pelos iludidos adolescentes que, empolgados, assinam sua própria sentença de morte. Outras vezes, o som imita barulhos de tiro: as máquinas de costura que consertam roupas de soldados mortos, a percussão incidental nos momentos tensos. O som realmente tem um papel impactante no filme. Tive que tirar os fones de ouvido no lento instante do engasgo do soldado francês, esfaqueado pelas mãos de Paul (esse confronto, inclusive, é característico dos três filmes).

Enquanto as outras obras trazem uma visão mais particular da vida de Paul, a recente adaptação se agarra ao título – que no livro é o anúncio banal de uma morte – para simbolizar mais claramente a história do adolescente como mais uma entre outras milhões. A cena que abre o longa é de uma raposa na sua toca, amamentando seus filhotes. A calma cena da floresta é interrompida por um adolescente nas trincheiras (que em inglês é traduzido como “foxhole” ou “toca de raposa”), apavorado com os corpos morrendo ao seu redor, que parece finalmente perceber a realidade da guerra. E vimos dezenas de outros jovens passando pela mesma situação até o último momento da batalha.

O filme traz contrastes muito claros entre a vida na cidade e a vida nas trincheiras, o pão velho no campo de guerra e os finos croissants no trem dos generais. Parecem dois mundos completamente diferentes e isso aumenta mais o frustrante sentimento de que todo aquele pesadelo poderia ser evitado. O Oscar de Melhor Fotografia também não foi em vão. Se tirei os fones na cena do confronto corpo a corpo, no take final desviei o olhar.

Penso no começo, as raposas aconchegadas, seguras num lugar silencioso, alimentadas pela mãe. Seja no começo do século 20 ou nos anos 2020, jovens continuam sendo tirados de suas casas, iludidos com discursos bélicos e heróicos a se sacrificarem por pedaços de terras ou dinheiro que nunca serão seus. E se alistam, são recrutados e vão para o front, onde, como sabemos, a história trágica se repete e nada de novo acontece.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 29 de março de 2023.