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#177 Por que ‘Jury Duty’ é uma das melhores comédias?

publicado: 10/05/2023 12h50, última modificação: 10/05/2023 12h50
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Série de televisão americana cria uma falsa produção de documentário - Foto: Amazon Freevee/Divulgação

por Gi Ismael*

Me fazer chorar é relativamente fácil, sorrir também. Mas para eu cair aos prantos ou chorar de rir, o esforço tem que ser considerável e, finalmente, assisti uma série de comédia que me fez gargalhar de um jeito que basicamente só The Office, South Park e Community me fizeram antes. Produção original Amazon Freevee, Jury Duty é inventiva e hilária quando cria uma falsa produção de documentário, onde todos são atores contratados – exceto um cara que não faz ideia de que tudo é uma armação.

Isso pode parecer mais um caso de pegadinha com câmera escondida, mas eu garanto que vai bem além disso e para você entender o porquê, eu preciso começar, bem, pelo começo. Ronald Gladden é um jovem adulto americano que é convocado para ser júri num caso envolvendo uma empresa têxtil e um acidente trabalhista que causou prejuízos à fábrica. Ele se junta a outras pessoas para servir à justiça americana e topa participar de um documentário que pretende mostrar como é o funcionamento de um júri. Isso faz com que ele e os outros colegas gravem depoimentos e não estranhe o fato de estar geralmente cercado por câmeras. A série é produzida por Lee Eisenberg e Gene Stupnitsky, ambos produtores executivos do The Office americano, então se prepare para situações tão entediantes e absurdas quanto as da série de ficção criada por Ricky Gervais.

A produção juntou esforços e uma grande equipe para fazer com que tudo fluísse de tal forma que Ronald não suspeitasse em momento algum que aquilo tudo era armação. Eles montaram roteiros, mas todos os diálogos entre atores eram improvisados e muito tinha que ser mudado em tempo real de acordo com a reação de Ronald. Por exemplo: se alguma situação deixasse Ron com raiva, o próximo passo seria agir de uma forma que amenizasse a situação; ou, ainda, os atores só poderiam tomar um drinque se antes o rapaz pedisse para ele. O roteiro tinha várias ramificações e para tornar a produção factível, dezenas de câmeras ficavam escondidas pelos cenários, de forma que Ronald só tivesse contato com uma enxuta produção do suposto documentário. E cada vez que ele suspeitava que estivesse numa trama fictícia (várias vezes em depoimento ele fala que aquilo parece um “reality”), eles eram chamados para acompanhar horas a fio do julgamento de um tedioso caso. Um detalhe é que todos os atores que fazem os advogados e juízes, são também formados em Direito, portanto o linguajar técnico está sempre presente.

O cara passa semanas sem contato com o mundo externo e isso acontece porque o julgamento precisa se manter secreto já que uma celebridade faz parte do corpo de júri: James Marsden, conhecido por seu papel como Ciclope na franquia X-Men, e Teddy Flood em Westworld. Sim, James Marsden interpreta ele mesmo em Jury Duty – porém uma versão insuportável do ator hollywoodiano. Esse elemento cria ainda mais o cenário absurdo na trama que, de alguma forma, é ainda assim factível.

Muito provavelmente, a primeira temporada não teria sido tão apaixonante – como The Office consegue ser – se o escolhido não fosse um cara tão genuinamente bom. Ronald é gentil, doce, empático. Uma pessoa querida de verdade. E vê-lo reagir a cada situação, tomando a culpa por coisas que não tinha nada a ver, guardando segredos para não prejudicar os outros ou ainda tentando fazer amizade com um cara esquisito, o tornam um Jim Halpert da vida real.

Mas não deve ser fácil descobrir que viveu uma experiência O Show de Truman. E aquelas amizades, foram todas falsas? Será que existem câmeras escondidas ainda registrando tudo? Quando terminei a série, que consiste por enquanto de só uma temporada e dez episódios, fui assistir entrevistas e fuçar as redes sociais de Ron e fico feliz em dizer que está tudo bem com o nosso protagonista querido. Inclusive, as amizades se mantiveram para além do show: ele e o elenco passaram semanas vivendo juntos 24 horas por dia, sem contato com a internet e com um contato bem limitado com o mundo exterior, então os próprios atores não apenas saíam do personagem como fizeram com que cada papel fosse uma versão só um pouco diferente de quem eles verdadeiramente são.

A notícia ruim é que Jury Duty ainda não está disponível na Amazon brasileira, por isso tive que dar meus pulos para assistir. Mas, até lá, você pode encontrar diversos clipes no TikTok e YouTube porque, como era de se esperar, a série viralizou em todo o mundo. Fico na ansiedade para a estreia no Brasil, por um lado como desculpa para reassistir, por outro, na esperança de comentar os episódios com outras pessoas, rindo só de lembrar, como é com South Park, The Office, Community, Modern Family... Pensando agora, acho que encontrei meu gatilho para comédia: a improbabilidade e o absurdo inseridos na total regularidade da vida.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 10 de maio de 2023.