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#184 Mídia, poder, família e política: 'Succession' é obra prima da TV

publicado: 19/07/2023 10h39, última modificação: 19/07/2023 10h39
succession cena

Após sua última temporada, o seriado soma 27 indicações ao Emmy 2023 - Foto: HBO Max/Divulgação

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por Gi Ismael*

Há poucos dias, o Emmy anunciou as indicações da 75ª edição e, como grande destaque, Succession apareceu com 27 nomeações. Por coincidência (mesmo, porque eu estava por fora da temporada de premiações), esta foi a série que tardiamente mergulhei nas últimas semanas – e ainda bem que o fiz. Estava perdendo uma das mais brilhantes produções televisivas contemporâneas.

Bem, não vai ser possível comentar nesse espaço cada temporada da série veiculada entre 2018 e 2023. Mas quero falar sobre os personagens do arco principal e como ninguém é descartável na trama, começando por ele, Logan Roy. A partir daqui, vou trazer spoilers pesados.

O patriarca interpretado por Brian Cox é um personagem detestável, alguém abusivo, autoritário e egocêntrico – e a série nunca quis o tornar uma pessoa boa. Desde o começo, ele é adjetivado como racista, misógino e tudo de podre que há nesse mundo. Até os últimos capítulos da série, não sabemos muito sobre seu passado e isso vai de encontro ao queridinho clichê atual de romantização dos vilões. Mas, diferente de Cruella, Malévola ou até do Coringa, ele é um recorte real e claro do 1% que detém toda a riqueza do mundo.

De uma primeira temporada mantendo sua família e colegas nas rédeas até a quarta temporada cada vez mais isolado e cercado de puxa-sacos, Logan começa a refletir sobre suas escolhas na vida, mas luta até mesmo contra qualquer resquício de humanidade que ainda tivesse dentro de si. Depois de capítulos ventilando uma possível morte ou debilidade de Logan, sua passagem veio desavisada em um dos episódios mais icônicos da série. Sem grandes dramatizações, num capítulo sufocante e ainda no começo da temporada, só sabemos de seu falecimento a partir de notícias e telefonemas. Nem últimas palavras, nem longo tempo de tela: ele se foi sem glamour algum. Na última vez que aparece, Logan está sem camisa, no chão, recebendo uma massagem cardíaca já desacordado. No momento da morte, ele era só um de nós. E morreu sozinho, sem as pessoas que realmente deveriam importar em sua vida.

Todo vilão tem suas vítimas – e algumas, de uma forma ou de outra, navegam entre amor real e algo parecido com Síndrome de Estocolmo. Os irmãos Roy eram filhos em busca de aprovação constante que perceberam eventualmente serem apenas peças no jogo do pai. Psicologicamente abusivo, Logan era um falso cuidador, alguém que só tinha seus próprios interesses em mente. Numa casa onde a dinâmica familiar é cheia de atritos, sarcasmo e nenhuma demonstração de afeto, é difícil não saírem crianças quebradas.

Kendall (Jeremy Strong) tenta bater de frente com seu pai de forma desordenada, emotiva e sem muita lógica ou razão, do começo ao fim, enquanto orquestra sua vida pessoal da mesma forma negligente como foi criado. Ele é o que mais sente necessidade de aprovação alheia e isso está demonstrado nos seus jogos políticos, festas e gostos excêntricos. O caçula Roman (Kieran Culkin) evita conflitos enquanto é mimado e inteiramente despido de empatia. Desde o episódio do relógio “cala-boca” até a decisão de escolher o presidente, ele vive à sombra de seu pai mesmo que não tenha a racionalidade que precisa para comandar o jogo. O episódio do ensaio de casamento de Connor (Alan Ruck) é o que resume o filho bastardo: ele que nunca se sentiu amado ou pertencente, o fez mais forte do que seus irmãos carentes e sedentos de afeto. De todos, ele é o único que parece conseguir nutrir um amor sincero por alguém, no caso, Willa. No meio da cova de leões, está Shiv (Sarah Snook), uma mulher que não recebeu os mesmos incentivos dos irmãos e que não consegue se encaixar no mundo corporativo justamente pela falta de experiência. Ela precisou endurecer a carcaça para sobreviver entre eles e dançar de acordo com a música, inclusive quando ela e Tom invertem os papéis no final da série.

A série não teria muitas de suas reviravoltas se não fosse a dupla dinâmica Greg (Nicholas Braun) e Tom (Matthew Macfadyen). Em partes, Greg é o que nos aproxima da série, calibrando aquele mundo de ostentação e riqueza para uma ótica realista de nós, os 99%. Ele é a personificação de como alguém consegue ser, aos poucos, engolido e convertido pelo sistema. Tom é apenas mais um ricaço que tentou tirar um bom proveito de uma relação interesseira e que conquistou seu espaço sendo puramente um puxa-saco. Eis a verdade difícil de engolir: no final das contas, o mundo capitalista é deles. Dos tiranos, dos apáticos, dos interesseiros e puxa-sacos.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 19 de julho de 2023.